quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Avanços tecnológicos marcarão a nova era dos sistemas cognitivos

A invenção científica e a inovação tecnológica não param de nos surpreender. Notícias da IBM alertam-nos para inovações que poderão mudar profundamente as nossas vidas num futuro próximo. Sistemas informáticos serão capazes de reconhecer conteúdo de dados visuais, a breve trecho, como conseguirão dar um significado ao píxeis, à semelhança do que fazem os seres humanos para interpretar uma fotografia. Prevê-se ainda a possibilidade de ecrãs tácteis de telemóveis virem a ter funcionalidades de vibração para objectos  recebendo um conjunto único de padrões de vibração correspondente a cada um, diferenciando, por exemplo, seda do linho ou do algodão e ajudando a simular a sensação física de realmente tocar nos objectos. Por esta via, o próprio acesso à sensação das relações e dos acontecimentos mais ou menos objectiváveis será, porventura, o passo seguinte. Estão à vista os enormes impactos destas inovações em muitos sectores como a saúde, a agricultura, o exame dos alimentos, etc., etc. Por aqui se vê também o poder mágico de conhecer e aprender que está subjacente a todo este progresso da ciência e da tecnologia que possibilita todas estas maravilhas e que irá continuar a surpreender-nos ainda mais no futuro, assim os homens sejam inteligentes, livres, responsáveis e sábios para não perverter ou aniquilar todo esse sucesso.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Conhecimento e ação


No agir humano espera-se que à ação siga à deliberação que deverá integrar conhecimento, afetos, liberdade,  vontade e contextos sócio-culturais de vida individual e coletiva. Acontece que nas sociedades emergentes nem sempre se delibera, pensa, sente antes de agir. É certo que na velocidade dos acontecimentos e das situações previsíveis e imprevisíveis que se nos apresentam nas sociedades dos nossos dias não se pode ficar indefinidamente à espera da melhor deliberação para tomar a decisão de agir. Todas as realidades e as respostas às mais variadas situações que se nos colocam constantemente são relativas. Esperar decisões definitivas e absolutas não é  possível neste contexto espacio-temporal em que nos movemos, somos e estamos uns com os outros.  Mas também sabemos que a precipitação é inimiga de uma boa deliberação e consequente decisão.
O novo cidadão nas sociedades emergentes mais ou menos globalizadas não poderá ser privado de uma formação que deverá orientar-se no sentido de o preparar para tomar boas decisões. Por isso descobrir a força do poder mágico de conhecer e aprender que deverá estar subjacente aos processos de pesquisa e formação que  deveriam informar toda a ação e relação do homem nas novas sociedades não poderá de forma alguma estar ausente, antes, pelo contrário, terá que ser uma verdadeira prioridade e energia inspiradora e  determinante do agir humano.
Hoje, é, talvez, aquilo de que mais necessitam as sociedades dos nossos dias para poderem fazer face com sucesso aos grandes desafios que se lhe colocam. Mas é preciso, sobretudo, que os seus cidadãos sejam conscientes dessa necessidade e sejam devidamente preparados para darem a melhor resposta.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Dialética sem síntese ou conclusão

É comum, designadamente, em debates entre forças políticas ficar apenas nas teses e antíteses sem nunca chegar a verdadeiras sínteses que possam gerar compromissos e mobilizar para uma ação conjunta e convergente em relação a um determinado objetivo ou missão a atingir. Numa linguagem mais chã é o que normalmente se denomina diálogo de surdos. Na verdade, todos falam mas ninguém ouve ou pior finge que não ouve nem quer ouvir. Por isso, muitos dos debates que a comunicação social promove ou estão condenados à partida pela natureza dos próprios convites cujos interlocutores não têm qualquer liberdade de sair das suas cassetes ou resultam em conversa fiada ou simples perda de tempo. O esclarecimento e a reflexão que daí advêm são praticamente nulos. Diante deste panorama que é possível observar fácil e notoriamente todos os dias, perguntaríamos o que é que falha, de facto? Será um deficiência de educação, de conhecimento, de liberdade, de cidadania? Será desleixo ou má vontade? Será falta de capacidade mental? Será deformação política ou fingimento? Será simplesmente falta de conhecimento e de ética? Julgo que é um pouco tudo isso e seria necessário mudar rapidamente as concepções e as atitudes para poder abordar os assuntos, quaisquer que eles sejam, e resolver os problemas mais ou menos complicados que se apresentam como gente normal e sensata. Será que isto não é importante e urgente? Só é preciso, diria eu, ativar aquele poder mágico de conhecer e aprender e, consequentemente, de ser, de amar e de estar com os outros em cada ser humano  e de abrir-se constantemente a essa grande aventura de tornar-se mais humano. É a esta síntese ou a conclusão a que dialética viva e dialógica entre as teses e respectivas antíteses sobre os mais variados assuntos e situações deveria chegar.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Dizer-se crente, agnóstico, ateu, que sentido tem?

Ouvem-se, com frequência, da boca de personagens com mais ou menos notoriedade científica, artística, política, cultural, afirmações como:  eu sou crente, eu sou agnóstico, eu sou ateu, etc. Em termos verdadeiramente humanos que significado têm tais afirmações? Serão mais do que dizer: eu sou PSD, PS, PCP, CDS - PP, bloquista, portista, benfiquista, sportinguista, lions, rotário, maçon, judeu, moçulmano, hindu, etc.? Acho que há diferenças, sem dúvida. Aquelas, em geral, são mais existenciais  e estas mais clubísticas ou religiosas. De qualquer modo, quando as pessoas se apresentam como crentes, agnósticos ou ateus, com muita frequência, acabam por fazer afirmações vazias ou evasivas, denotando mesmo um certo desconforto, descompromisso ou preguiça mental.  Se olharmos, porém, um pouco mais fundo, para este tipo de expressões, julgo que as atitudes que lhe estão subjacentes apontam, porventura,  no sentido de que no ser humano há qualquer coisa de crente, de agnóstico ou mesmo de ateu apesar do que este tipo de afirmações possa significar. Tudo está estreitamente religado ao ser que o sentido etimológico da própria palavra 'religião' suporta e o aproxima de espiritualidade. Os seres, os entes apenas são reais ou possíveis na sua ligação ao ser. Tudo vem do ser e respira ser. O não-ser não é nem pode simplesmente existir. A este nível religião e espiritualidade acabam por ser uma mesma coisa.

domingo, 21 de outubro de 2012

Vertigem de ser e de ter

Escolher consciente, responsável e livremente entre esta dupla vertigem de ser e ter da pessoa humana configura também o seu poder mágico de conhecer, aprender, amar, estar com os outros. O problema é que a escolha do ser implica o ter e este não pode subsistir sem aquele. É nesta dialética dialógica da aliança que o poder de conhecer, aprender, querer, amar se institui não apenas como uma dimensão transversal do humano mas também como uma verdadeira magia que nunca será demais sublinhar. É no justo equilíbrio dessa vertigem de ser e de ter que o ser humano acontece e procura tornar-se mais humano. Mas será isto percebido e compreendido, hoje, pelos principais actores da sociedade e, designadamente, por aqueles que têm um papel mais activo, os políticos, os educadores, os filósofos, os cientistas. os artístas, etc. ? Não parece muito clara esta opção mas nem por isso deixa de ser necessário assumí-la de uma maneira frontal e determinada por aqueles que têm por missão educar as gerações mais jovens para uma cidadania consciente, responsável e livre. Sem esta atitude todos os demais conteúdos de formação científicos, artísticos, tecnológicos, axiológico, culturais, por mais conseguidos e articulados que sejam, se não forem convergentes com esse pressuposto acabarão por ser construções sobre terra movediça e sem futuro. Por isso nunca será demais insistir nesta ideia não só junto das gerações mais jovens mas também junto de todos aqueles que, de um modo ou de outro, se cruzam conosco. É este também aquele poder mágico de conhecer e aprender em que vimos insistindo e prometemos continuar a fazê-lo como algo que deverá estar sempre presente na acção humana que deverá ser uma acção criativa, demiúrgica, simples, transparente, séria, autêntica.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Porquê a Psicologia, de há anos a esta parte, continua a marcar passo no mesmo ponto?

Já há uns tempos que me pergunto, sobretudo, quando visito livrarias e bibliotecas, porque é que não se nota grande inovação em Psicologia, contrariamente ao que acontece noutros domínios do saber? É uma pergunta que me tem feito pensar e cuja resposta ou questionamentos para uma resposta possível julgo saber por onde poderá ser encontrada. Será devido à natureza do seu próprio objecto: o psiquismo observado através do comportamento? Será porque no passado próximo e longínquo se avançou imenso sobre aquilo que é mais específico e distinto no ser humano, a mente, o espírito, a razão? Efectivamente, antes dos cientistas ocuparem o palco do desenvolvimento científico e tecnológico foram os filósofos, os sábios que detiveram esse lugar. De tempos muito antigos nas religiões e nas culturas encontramos relatos  e estudos muito detalhados, rigorosos e profundos sobre o espírito humano. Este património, de certa forma, convergiu numa determinada altura, porventura, muito recente em relação à longa história da humanidade, em duas cidades com inspirações e recortes muito distintos: Atenas e Jerusalém. Uma de matriz mais racionalista, intelectual, que Camões traduziu "em clara Grécia", Atenas e a outra de matriz mais cordial, mais amorosa, mais afectiva, Jerusalém. Este foi um tema que, na altura, em que desenvolvia  um projecto de investigação para um doutoramento em Filosofia na Universidade Católica de Lovaina, tive em mente mas que ambandonei com receio de o não poder levar a bom porto, pois exigia tempo e recursos de que, na verdade, não dispunha. Ficou, no entanto, sempre no meu espírito como um desafio e uma aventura adiados cuja importância e actualidade, nem por isso deixaram de ser menores nos nossos dias, como duas matrizes culturais que continuaram e continuam a estar presentes num processo dialéctico e contínuo nas mais variadas realizações do progresso científico, artístico e tecnológico pelos tempos fora na aliança dialógica nem sempre fácil e isenta de conflitos entre o oriente e o ocidente mais próximos ou longínquos. Nascente e poente, oriente e ocidente, vida e morte são os polos, porrventura, opostos de uma síntese, de um encontro que se procura constantemente alcançar. Julgo que é essa também a história do espírito humano que a Psicologia procura estudar e compreender através do comportamento. É por isso também aí que terá que acontecer a originalidade e inovação que se deseja na ciência psicológica que talvez esteja a ter lugar não propriamente no campo da Psicologia mas em outros domínios do saber e, designadamente, na ciência cognitiva, neuraciência e nas microbiologias e nas nanociências. É, pelo menos, essa a convicção que me trabalha há vários anos a esta parte.     

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Conhecimento e honestidade intelectual

Tenho insistido que conhecer e aprender é um verdadeiro poder mágico do ser humano.  Hoje essa realidade é cada vez mais evidente. Também sabemos que o conhecimento e a aprendizagem são actividades transversais a toda acção humana. A sua estrutura e dinâmica pressupõem três elementos essenciais: sujeitos com capacidade cognitiva, objectos susceptíveis de ser conhecidos e a união ou acto entre sujeito e objecto ao nível da sensação/percepção, da imaginação, da idealização ou conceptualização, do juízo ou da afirmação e do raciocínio. Se esta união ou acto não se verificar o conhecimento ou a aprendizagem não poderão acontecer. Mas a qualidade deste poder mágico, demiúrgico, transformador não depende apenas da simples união entre o sujeito cognoscente e o objecto ou a realidade conhecida ou  a conhecer. O conhecimento e a aprendizagem não poderão reduzir-se a meros automatismos reflexológicos, de condicionamentos ou hábitos mais ou menos complexos. Precisa, sobretudo, de uma grande disponibilidade e acolhimento mental, consciente por parte do sujeito para assimilar, acomodar e equilibrar em si os estímulos provenientes do mundo dos objectos existentes interna ou externamente e possíveis que desse modo enviam sinais da sua presença seja qual for o lugar e a distância a que se encontrem, a velocidades elevadíssimas em função da sua natureza sonora, luminosa ou outra. É maravilhoso imaginar toda essa variedade de sinais de presença de realidade existente que nos chega constantemente  e, de alguma maneira, entra em nós e fica a fazer parte de nós enquanto sujeitos conscientes, abertos e disponíveis. É para esta maravilha do poder mágico de conhecer que possibilita toda a aprendizagem que gostaria de chamar a atenção. Este acolhimento, porém, pressupõe da parte do sujeito uma grande honestidade intelectual,  mental o que nem sempre infelizmente se verifica. Basta dar um passeio breve pelo mundo dos homens, pelos seus valores, pelas suas concepções ideológicas, pelas suas crenças, pelos seus comportamentos para encontrar enormes dissonâncias e contradições. Fala-se de diálogo, fazem-se promessas, organizam-se encontros para os povos se entenderem e estabelecerem consensos e o que se vê são dissensos, confusão e violência. Por isso, talvez seja necessário levar mais longe e mais fundo este poder mágico de conhecer e aprender através de uma formação, de uma educação mais cidadã, mais comunitária, mais rigorosa, séria, tolerante, deversificada, mais humana. Trata-se de uma necessidade e de um desígnio da sociedade emergente que não poderá ser adiado por mais tempo mas que terá que assentar em mais e melhor conhecimento e homestidade intelectual, sobretudo, dos principais actores sociais e políticos. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A aventura de novo ano lectivo

Por estes dias, em todos os graus de ensino, uma nova aventura de conhecer e aprender teve início nas escolas e nas instituições do ensino superior. O grande objectivo deveria ser o de "empoderar" os alunos e professores de novos conhecimentos, de novas aprendizagens, de um verdadeiro poder mágico para mudar e transformar as coisas, as situações, os comportamentos e as vidas das pessoas para enfrentar as realidades de uma sociedade emergente em que as dificuldades e os desafios se apresentam e avolumam de dia para dia. Será que é isso, de facto, o que está no espírito dos principais actores, das respectivas instituições e das políticas que lhe estão subjacentes? Não é claro e muito menos com a intensidade e o envolvimento necessário e desejável para atingir tão grande desígnio. Sabemos, no entanto, que o problema não é apenas dos países com mais dificuldades ou em crise profunda mas em todo o lado. Falta, efectivamente, perceber o sentido e o papel do conhecimento e da aprendizagem na acção humana como realidades transversais sem as quais as emoções, os setimentos e o comportamento consciente do ser humano não é possível.
É preciso, pois, acolher e trabalhar desde o começo, com afinco e determinação para que aconteça uma nova era de esperança e confiança no futuro que, com certeza, não poderá ser desligada desse poder mágico de conhecer e aprender que é próprio das pessoas. Mais um ano lectivo, de formação, de construção de conhecimento e aprendizagem para continuar a transformar o mundo dos homens é o que realmente terá que estar na primeira linha de acção de todos aqueles que não desistem e persistem nesta grande aventura de ser e de tornar-se mais humanos.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Professor intelectual: formação, identidade e papel profissional na educação contemporânea

Este tema, embora não seja novo, coloca-nos, hoje, enormes desafios. Na verdade, temos andado entretidos com diferentes rótulos, por vezes, de recorte um tanto ou quanto metafórico sobre o professor, a saber: professor treinador, professor arquitecto ou engenheiro do humano, professor pesquisador, professor guia, professor transformador, professor mediador, etc. Tem-nos passado um pouco ao lado uma designação mais consistente e que se afunda no tempo, a de professor intelectual inspirado na ironia e na maiêutica socráticas. Efectivamente, o professor é antes de mais um intelectual no verdadeiro sentido da palavra que se liga estreitamente com as actividades do espírito, da inteligência, do entendimento, do conhecimento, do saber, da cultura. Pelos tempos fora, o professor como actor social foi sempre alguém que procurou desenvolver a inteligência, o entendimento, o raciocínio e, consequentemente, a ciência, o conhecimento nas suas diversas formas e níveis, em si próprio e nos seus alunos em termos abstractos e concretos ou contextualizados para a melhor compreensão da realidade dos objectos, dos acontecimentos e das relações, das pessoas e da sua formação e desenvolvimento. Julgo que este continuará a ser o seu principal papel a desempenhar na educação contemporânea e futura e que deverá configurar a sua identidade. Por isso, a sua formação terá que realizar-se com elevada qualidade, empenho, exigência e rigor a fim de poder cumprir a sua missão de mentor, de mediador e transformador social, de educador, de construtor de cidadania. Talvez seja este o seu verdadeiro poder que lhe permite também empoderar os seus alunos e ser reconhecido pessoal e socialmente. Será esse também o grande desafio e, porventura, o desígnio, que se coloca, hoje, às instituições de formação de professores dos nossos dias: preparar bem estes profissionais através do estudo, da reflexão, da pesquisa, da ciência, da tecnologia e da arte para estarem à altura destes tempos e dos futuros. É sobre isso que nos iremos interrogar e reflectir com os potenciais leitores sobre os pontos que a seguir sucintamente poremos à sua consideração.


        O professor intelectual: o que é?

         Esta é a primeira grande questão que se nos coloca e que vem já do fundo tempo: qual a verdadeira identidade do professor? A de um pensador solitário? De um pesquisador? De um idealista? De um sábio? De um amigo do saber? De um técnico? De um cientista? De um tecnólogo? De um actor? De um comunicador? De um pedagogo? De um treinador? Talvez, a resposta deva passar por todas essas dimensões e pela sua intersecção. Nesta linha de pensamento, poderíamos perguntar mais em concreto: não será que a atitude, a estratégia ou dialéctica, digamos, o método socrático continua, hoje, e, porventura amanhã, a ser aquele que melhor configura o que é ou deveria ser um professor intelectual? Um professor intelectual seria alguém que cultiva o desenvolvimento da inteligência, do entendimento, da razão humana como sendo os níveis mais evoluídos da realização da mente consciente tal como ela se apresenta à luz dos desenvolvimentos científicos mais avançados dos nossos dias em que a pesquisa e os estudos de António Damásio e sua equipa merecem um lugar de destaque. Conhece-te a ti mesmo porque o conhecimento, a sabedoria está dentro de ti repetia Sócrates insistentemente aos seus discípulos e adversários seguindo a tradição dos sábios e dos amigos do saber da Grécia Antiga. De acordo com os Diálogos de Platão, Sócrates, como um actor central de toda a narrativa, procurava atingir esse objectivo através da bem conhecida dialéctica da ironia e da maiêutica, ou seja, conduzindo através do questionamento as pessoas, sobretudo, as mais convencidas e conhecedoras entre as quais se encontravam os sofistas - uma espécie de advogados do tempo que aceitavam defender todas as causas e estavam disponíveis para responder com desasombro a todas as questões - a reconhecerem a sua ignorância (ironia) para a partir daí os ajudar a dar à luz o verdadeiro conhecimento, a sabedoria (maiêutica). Julgo que ainda hoje esse é o método mais eficaz a que todo o intelectual e, naturalmente, o professor não poderá deixar de prestar atenção na acção e interacção com os seus alunos. Creio ainda que um professor intelectual seria sobretudo aquele que através do questionamento deveria interrogar-se constantemente e instigar os alunos a questionarem-se a sós e em grupo sobre a realidade dos objectos, das pessoas, dos acontecimentos e das relações nos contextos de educação, de cultura, de vida.  
A este propósito, o Professor Milton Santos, na Conferência de Abertura do IX Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, realizado em Águas de Lindóia - SP, de 4 a 8 de maio de 1998 sobre  O professor como intelectual na sociedade contemporânea,  ao fazer a caracterização do intelectual em que o professor deveria incluir-se apresentava uma concepção bem interessante e muito inteligente ainda que discutível que gostaria de partilhar com os potenciais leitores, a saber:
O intelectual é aquele que resiste, e para resistir tem que ser só. É a solidão a grande arma com a qual podem continuar sendo intelectuais. Cada vez que dizemos "nós", afastamo-nos do ideal do intelectual, porque estamos manifestando a necessidade do aplauso ou da cooptação. O intelectual não é aquele que busca aplauso, mas o que busca a verdade e que fica com ela, a despeito do que sejam, naquele momento, as preferências dos seus contemporâneos. 
É fácil entender porque, no fim do século XX, quando a maior parte do trabalho humano se tornou trabalho intelectual, estreita-se a possibilidade de ser intelectual. Por isso, as faculdades e as casas de ensino abrigam cada vez mais letrados e cada vez menos intelectuais. Ser professor não é obrigatoriamente ser intelectual, sobretudo, porque é, freqüentemente, exercer uma repetição, seja como um porta-voz da produção alheia, seja através de uma forma repetitiva de produzir. A globalização agrava essa situação porque traz como uma de suas marcas a difusão de um pequeno número de autores bafejados pelo mercado, e que se instalam no mundo como os atores centrais, e dos quais vem a certificação de validade do conhecimento dos outros. Segundo tais parâmetros, nossa produção intelectual é considerada menos vigorosa, menos forte, menos capaz, menos significativa que a produção de fora, chamada equivocadamente de internacional, quando ela é apenas estrangeira. Estou me referindo às formas como a carreira se organiza neste país, levando-a a tornar-se, ao fim e ao cabo, uma grande inimiga da produção intelectual. Devemos, urgentemente, erguer nossa voz, para reclamar das autoridades universitárias que, entre outros problemas atuais, revejam a questão da carreira, dentro de um quadro mais geral, mais abrangente, agindo como intelectuais, e não como administradores. 
Numa universidade autêntica, os administradores apenas governam as coisas. Os intelectuais são inadministráveis. Por isso, eles são o fermento de uma verdadeira vida acadêmica, porque são movidos pela idéia de universidade e pela fidelidade a uma dada universidade. Não há universidade que possa crescer sem crítica interna. Não basta repudiar a crítica externa. É preciso todos os dias exercitar a crítica interna para sermos verdadeiros intelectuais. De outro modo, estaremos limitados à produção e à prática de meias-verdades, ou de verdades interesseiras, que conduzem às teorias utilitárias e ao império das razões utilitaristas fundadas nas exigências do mercado. Daí, a tendência a transformar todo tipo de ensino em ensino profissionalizante. Quantos de nós, ensinando na pós-graduação, já não ouviu esta frase: "professor, eu não vou ao seu curso, porque o seu curso não interessa à tese que eu estou escrevendo". É exatamente o utilitarismo levado às últimas conseqüências. Com certo ceticismo, pode-se até sorrir, ouvindo isso; e com certo cinismo, pode-se até sorrir complacentemente, quando se precisa do voto do estudante para ser eleito para alguma coisa. Só que esta forma de conivência já é uma demonstração da renúncia a ser intelectual. Continua-se sendo professor, mas se renuncia a ser intelectual. Quando renunciamos à crítica deixamos também, que, dentro de nós, produza-se o assassinato de um cidadão. Este, dotado de existência política, somente pode sê-lo plenamente, ao entender criticamente o mundo em torno. Se assim não entendo o mundo em torno, tam pouco sei quem sou, nem posso propor outro mundo, e passo a aceitar comodamente tudo que me mandam fazer. É assim que se criam homens instruídos, mas não educados, desinteressados de qualquer discussão mais profunda, subordinados ao pensamento técnico e à lógica dos instrumentos. Mantendo uma fé cega nos ritos já dados, nos caminhos preestabelecidos.
        Esta exposição crítica e frontal do Professor Milton Santos, não obstante, ter sido proferida há uns 15 anos, julgo ser plenamente actual e nos colocar diante de uma problemática que se reveste da maior importância nos nossos dias para recolocar a questão da identidade pessoal e profissional do professor ou falta dela na sociedade contemporânea e futura. Poderemos discordar mas julgo que a sua crítica vai no sentido certo e urge retomar o seu questionamento, nos nossos dias, se quisermos descobrir a verdadeira identidade do profissional da educação, o professor. Tem-se estudado, pesquisado e escrito muito, nestes últimos 15 ou 20 anos sobre a identidade do professor e a sua construção bem como a de outros profissionais nas ciências sociais e, designadamente, no âmbito da psicologia e da sociologia de que destacaria os trabalhos de Amélia Lopes e de Alberto Albuquerque Gomes, entre muitos outros. Julgo, no entanto, que fica bem patente que uma certa imagem social do professor foi, porventura, aquela que mais se degradou nas últimas duas décadas. Conviria, talvez, explicitar um pouco mais de que  imagem se tratava para poder avaliar as perdas ou os ganhos que se verificaram. Antes, o professor, sobretudo ao nível do magistério e dos ensinos básicos e secundário, era visto como uma autoridade social privilegiada no seio das comunidades quer do ponto de vista do saber, quer do ponto de vista ético e cívico. Isso acabou, mas a missão do professor continua. Quer dizer que essa imagem não era essencial para determinar a identidade de um professor. Urge, pois, continuar não só o trabalho de descoberta e de construção daquilo que integra a verdadeira essência da identidade do profissional da educação mas sobretudo proceder a uma desconstrução e reconstrução dessa mesma identidade face aos novos papéis que o professsor terá que desempenhar no presente e no futuro. Antes, apenas o professor universitário era visto como um académico, um intelectual, um investigador, ultimamente, com o desenvolvimento da pesquisa, esta concepção tem-se ido alterando. Caberia, no entanto, perguntar qual o sentido dessa alteração. Talvez seja a altura de perguntar também o que está a acontecer com o professor universitário. Após um tempo em que se deu bastante importância à docência que se tornou objecto de pesquisa e originou a análise e discussão crítica bem como a consequente  publicação de trabalhos científicos em revistas e a discussão de relatórios e comunicações em fora nacionais e internacionais, tenho sentimento de que se está a recuar deixando para segundo plano o trabalho com os alunos e o seu acompanhamento directo para regressar a centrar a preocupação com a carreira científica, a participação em congressos e seminários nacionais e internacionais e a publicação de artigos em revista de referência e mais pontuadas cientificamente ao nível nacional e internacional. Assim os professores voltam novamente a fechar-se sobretudo nos seus gabinetes de trabalho a preparar e escrever “papers” para apresentar em eventos e para publicação em vez de se preocuparem com os seus alunos ou relegando-os para segundo ou terceiro plano. Não se trata propriamente do intelectual solitário de que falava Milton Santos mas de um intelectual interesseiro e globalizado que atende sobretudo à carreira e ao desenvolvimento do seu currículo científico e à divulgação do seu trabalho entre os pares e junto da comunidade científica. Compreende-se a atitude nestes novos contextos em que o salve-se quem puder se tornou a palavra de ordem. Porém, resgatar o pesquisador, o cientista, o intelectual  desinteressado bem como professor intelectual, o docente mais ou menos solitário mas sem deixar de estar em interacção permanente com os seus alunos em equipa que procura conhecer e aprender, descobrir a realidade, o mundo e transformá-lo, é preciso e é urgente. É a nova identidade que os profissionais de educação contemporânea e futura não poderão descurar nunca. É essa, pelo menos, a minha convicção. 



        O papel profissional do professor na educação contemporânea e futura
       
        Não é fácil abordar este tema, não obstante ele se revestir da maior importância para os professores na sociedade contemporânea e futura. Como referíamos acima, além de ser um intelectual, um prático, um educador, um guia, um pesquisador, um comunicador, um tecnólogo, um pedagogo, o professor terá de desempenhar tudo isto como um verdadeiro profissional. É esse o papel que a sociedade lhe exige em troca de um salário ainda que nem sempre muito compensador.
        Aos meus olhos o papel profissional do professor na educação contemporânea e futura, como, aliás, aconteceu no passado, não pode ser desligado do processo de construção da sua identidade. Caberia pois identificar quais os elementos mais relevantes comuns e distintos que deverão integrar essa identidade estejam eles mais associados a padrões que tenham a ver com o estatuto, com os comportamentos, com os valores ou com as expectativas. É importante certamente o estatuto do professor na educação contemporânea e futura mas não o é menos saber que estatuto. Retomando a ideia do professor intelectual parece que o professor deverá ser respeitado como alguém que domina bem as matérias da especialidade e que ajude o aluno a aprender através de um processo de pesquisa que o conduza à descoberta da realidade e análise e síntese da informação recolhida com vista à sua explicação e compreensão. Mas é igualmente importante para que este objectivo seja atingido que seja também um pedagogo, um psicólogo, um sociólogo, um educador que conhece os seus alunos, valoriza e optimiza todas as suas possibilidades, os ajude a sair de si mesmos e a desenvolver-se progressivamente dando-lhes poder,  empoderando-os ao nível do conhecimento, da afectividade e da relação para que se tornem autónomos e donos do seu próprio destino. Que seja também conhecedor dos métodos, das estratégias mais adequadas para atingir esses objectivos.
 

Questões
Como pode um professor ser um intelectual com um horário de 40 horas por semana?
Será possível defender o professor intelectual nas sociedades dos nossos dias no meio dos relativismos e de todos os jogos de interesse, de poder e de oportunismo que nos invadem?
Não será uma fuga para a frente  querer refugiar-se, de novo, em idealismos passados ou utopias? 

        Referências

Law, M. (2001). Os professores e fabricação das identidades. Currículo sem fronteiras. V. 1, n. 2, pp. 117-130, jul/dez. 2001.
Lopes, A. (2001). Libertar o desejo, resgatar a inovação: A construção de identidades profissionais docentes. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
Lopes, A. (2001). Professora e identidade: Um estudo sobre a identidade social de professoras portuguesas (Vol. 25). Porto: ASA.
Loureiro, C. (2001) A docência como profissão: Culturas dos professores e a (in) diferenciação profissional. Lisboa: Asa.
Meksenas, P. (2003). Existe uma origem da crise de identidade do professor? Revista Espaço Acadêmico.Consultado em 10 de janeiro de 2005. http://www.espacoacademico.com.br/031/31cmeksenas.htm.
Santos, M. (1998). O professor como intelectual na sociedade contemporânea. Conferência de Abertura do IX encontro nacional de Didática e Prática de Ensino,
 realizado em Águas de Lindóia - SP, de 4 a 8 de maio de 1998, pp. 5-7. http://www.fecap.br/extensao/artigoteca/Art_016.pdf
Ávila Lima, J. M. O Papel de professor nas sociedades contemporâneas
http://www.fpce.up.pt/ciie/revistaesc/ESC6/6-3-lima.pdf


PS

Este texto foi escrito para a Sessão de Abertura do ano lectivo 2011-2012 da Gaduação e Pós-graduação em Educação na PUC de Goiás, que teve lugar no Teatro da Universidade,em 27 de Agosto de 2012, perante algumas centas de estudantes de graduação e pósgraduação e umas dezenas de professores. 

A sua apresentação foi feita de uma forma mais livre a partir de alguns slides preparados para o efeito. Não resultou muito bem. O contexto não ajudou e o horário ficou escasso e tardio. Um grupo jovem de teatro tinha actuado anteriormente e a transição dos esquemas mentais da audiência parece que ainda não se tinham adapatdo suficientemente para a tarefa que se seguia . Impunha-se, talvez, uma outra acção, porventura, em diálogo mais aberto e questionante com a audiência, a saber:
1. O que é ou deveria ser para vocês um professor intelectual? 
Um pedago? Um pesquisador? Um cientista? Um filósofo ou amigo do saber? Um enginheiro ou arquitecto do humano? Um treinador? Um mediador? Um transformador? Um actor? Um comunicador? Um tecnólogo? Outra coisa? Tudo isso?
2. O que faz ou deveria fazer um professor intelectual?
Ensinar ou ajudar a aprender? Aprender? Pesquisar? Mediar? Transformar? Estudar? Reflectir? Ser criativo?  Outra coisa? Tudo isso?
3. Como deveria ser formado esse professor intelectual?
Como até agora? De outra forma? Como?

Talvez desta forma a provovação dos artistas jovens que vinha da acção anterior e resultou pudesse ter sido continuada na actuação  que se seguiu ainda que num registo diferente. Seria uma hipótese que não chegou a ser tentada e foi pena. Talvez o peso institucional em que nos encontrávamos o tenha desaconselhado e, por isso, acabou por não acontecer e a história fez-se de outro jeito, porventura, menos espetacular gorando as elevadas expectivas que foram criadas.


  




segunda-feira, 14 de maio de 2012

Conhecer e aprender como magia

Tomei conhecimento pela net da resenha que o Professor Pedro Demo teve a amabilidade de publicar na revista da UnB Linhas Críticas, vol. 17 nº 34, 2001,  pp. 643-654 sobre o meu livro "O Poder Mágico de Conhecer e Aprender". Senti-me muito honrado por um Professor como Pedro Demo que simplesmente não precisa de apresentações se ter interessado por este livro e, sobretudo, pela leitura tão perspicaz e minuciosa que fez do mesmo não apenas interpretando com todo o rigor a mensagem que se pretendia passar mas também enriquecendo-a e ajudando a explicitá-la e a clarificá-la. Embora não deva fazer qualquer apreciação, por razões óbvias, não posso deixar de agradecer este gesto de um colega por quem tenho muita consideração e apreço académico. Bem haja, Professor Pedro Demo, pois, julgo que é, com certeza, uma mais valia para o autor e um bom incentivo para os potenciais leitores do livro.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Conhecer, sentir, agir

Quando insistimos no poder mágico do conhecimento queremos dizer simplesmente que não é possível sentir e agir ao nível biológico, psicológico, social e cultural sem conhecer. A acção de conhecer é transversal a toda a espécie de actividade ou manifestação afectiva, uma condição sine qua non. Sem conhecimento não é possível qualquer tipo de reacção sensorial, inteligente, consciente, racional, emocional. Por isso, nunca será demais repetir que conhecer é um verdadeiro poder mágico, dimiúrgico, transformador sem o qual não é possível qualquer aprendizagem, inovação e invenção científica, artística e tecnológica. Hoje, como ontem, este continua a ser o grande desafio para uma sociedade do conhecimento que aprende e se transforma rápida e profundamente. Os meios, os processos, os métodos, as estratégias para atingir esse objectivo é que são bastante diferentes nestas sociedades abertas e globalizadas. A informação está cada vez mais acessível através da net, dos telemóveis, das tabletes mas é preciso assimilá-la, acomodá-la, equilibrá-la, adaptá-la, gerí-la criticamente e transformá-la em conhecimento, em acção e decisão para a resolução dos verdadeiros problemas do nosso mundo que, por outro lado, se encontra cada vez mais à deriva. É preciso, efectivamente, que o conhecimento assuma um verdadeiro poder mágico, na escola, na profissão, na vida.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Um coma consciente mal diagnosticado?

Tenho reflectido bastante sobre um caso de coma bem conhecido em Aveiro no meio hospitalar e da Academia Aveirense visto tratar-se do Administrador dos Serviços da Acção Social, Dr. Helder Castanheira, após uma curta visita que lhe fizemos numa casa de re-habilitação, na Tocha.
Naquela altura, após dois ou três dias de ter saído do coma, o Dr. Helder Castanheira, conseguia reproduzir as conversas de técnicos e profissionais de saúde bem como as pessoas e as falas de visitas especiais que tivera durante o estado de coma em que se encontrava inteiramente imobilizado mas em que podia ver o tecto para onde esteve virado durante esse tempo. Lembrava-se até das conversas oportunas e inoportunas dos técnicos de saúde na altura em que deliberavam se deviam desligar a máquina ou dar-lhe mais umas chances de vida. Desconheço as causas que terão provocado este estado comatoso e que as ressonâncias magnéticas poderão, com certeza, ter evidenciado, mas do que não tenho grandes dúvidas é de que o Dr. Helder Castanheira, esteve consciente durante muito desse tempo a avaliar pelo relato que nos fez da situação. De contrário, todo esse período teria sido um grande apagão psicológico, como aconteceu, ao longo do tempo, em outros muitos comas conhecidos na literatura da especialidade e não só, não lhe permitindo no pós-coma, embora ainda completamente imobilizado do lado esquerdo, evocar, recordar e descrever com muita precisão e serenidade o que sentiu durante todo esse período com ansiedade, pânico e, até, uma certa indignação sem nada poder fazer nem comunicar embora se estivesse a dar conta do que lhe estava a acontecer e a sentir que a sua vida estava completamente dependente do juizo dos técnicos.
Este caso terá de ser analisado mais em pormenor em função dos relatos construídos algum tempo após ter saído do coma confrontados com os autores, uma vez que se recordava das falas e das pessoas que as proferiram.
De qualquer modo, parece que estamos em presença de um coma consciente, muito semelhante a um outro de um cidadão belga só que este permaceu em coma durante 23 anos.
Embora nos interesse mais directamente a parte gnoseológica deste caso. há aspectos que não poderemos deixar de sublinhar, neste caso, aliás referidos com ênfase, pelo Dr. Helder Castanheira que se prendem com a dimensão diontológica dos profissionais de saúde em situações desta natureza.

quinta-feira, 22 de março de 2012

A nova escola, os novos métodos e a nova "magia" de aprender

Partindo da hipótese que, na dinâmica da interação do arco reflexo entre sujeito, objecto e ulteriores mediações interiores que se foram desenvolvendo entre o sujeito e o objecto suportados por diferentes neurónios transmissores, receptores, a consciência continua a desenvolver-se, porventura, ainda mais aceleradamente, como se pode ler em António Damásio:
“Podemos conceptualizar o cérebro como sendo uma elaboração progressiva do que começou como um simples arco reflexo: neurónio NEU apercebe-se do objecto OB e informa o neurónio ZADIG, o qual impulsiona a fibra muscular MUSC e provoca movimento. Mais à frente na evolução seria acrescentado um neurónio ao circuito do reflexo, a meio caminho entre o NEU e o ZADIG. Trata-se de um interneurónio e iremos chamar-lhe INT. O seu comportamento faz com que a reacção do neurónio ZADIG deixe de ser automática. O neurónio ZADI apenas reage, por exemplo, se o neurónio NEU disparar com toda a sua força sobre ele e não se o neurónio ZADIG receber uma mensagem mais fraca; uma parte essencial da decisão fica nas mãos do interneurónio INT.” (2010:381-82),
na nova escola será preciso, porventura, não perder de vista este pressuposto em relação aos novos métodos de estudar e pesquisar e uma nova "magia" de conhecer e aprender que o tornar-se mais humano no futuro irá exigir. Julgo que, o ser humano se encontra em desenvolvimento constante e nesse desenvolvimento está a adquirir mais capacidade neurocerebral e a ser  mais consciente, livre e responsável. São, pelo menos, esses os indicadores das pesquisas em curso sobre o assunto. A curto e a médio prazo a escola terá certamente que acertar o passo por estas novas tendências ou ficará irremediavelmente desactualizada e parada no tempo contrariando a dinâmica, porventura, dialéctica, de um aperfeiçoamento evolutivo que parece estar inscrito na própria essência e natureza da realidade existente e possível.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Correspondência entre padrões neurais e imagem mental

Esta é uma das hipóteses que António Damásio parece ter no centro do seu questionamento e que gostaríamos considerar mais em pormenor. Julgo que não é possível defender que há uma equivalência entre padrões neurais e imagem mental pois são realidades de natureza distinta. No estado actual da investigação, não parece, pois,ser defensável que a imagem mental procede de um determinado padrão neural no final de um processo evolutivo que, num preciso momento, espontaneamente se transforma em imagem mental. Nem António Damásio, no fundo, parece acreditar bem nisso.Trata-se apenas de uma hipótese que se revela interessante para continuar a investigar uma questão cujas respostas até agora encontradas estão longe de ser satisfatórias. A realidade do ser humano composto de alma e corpo continua a dar que pensar e a desafiar a biologia, a neurociência, a psicologia e a filosofia bem como as novas abordagens ao nível das nanociências e das nanotecnologias. Pelo que a arte continua a ser longa e vida breve para satisfação da curiosidade e cupidez do homem de todos os tempos em busca do seu próprio equilíbrio interminável.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

CIDINE: ABERTURA DO BLOG CIDInE - 1 de Junho de 2011

CIDINE: ABERTURA DO BLOG CIDInE - 1 de Junho de 2011: "ABERTURA DO BLOG CIDInE - 1 de Junho de 2011"

O problema de António Damásio

O problema de António e de outros muitos neurocientistas é o de um excesso de optimismo no progresso científico e da confiança excessiva na racionalidade. As hipóteses que levanta e procura demonstrar com base nas conclusões mais avançadas da pesquisa sobre as ligações do cérebro com o corpo, mundo interior e exterior, a criação da mente, o surgimento do eu e emergência da consciência ficam reduzidas e demasiado fechadas na dinâmica da evolução natural e espontânea. O cérebro humano ao nível cortical, talâmico e hipotalâmico e do tronco cerebral numa dinâmica colaborativa de acordo com as suas diferentes possibilidades de diagnóstico, coordenação e intervençâo a partir de todo um equipamento adquirido no decorrer da longa história da humanidade que, de alguma forma, se reproduz na vida de cada indivíduo, mapeia toda a realidade interior e exterior que por sua vez possibilita a entrada em acção da mente. Por sua vez, a entrada da mente torna possível a transformação das disposições em sentimentos primordiais e abrirá caminha à maravilhosa aventura da emergência da consciência que não terminará jamais. O proto eu e eu nuclear abrirão caminho ao eu autobiográfico que por sua vez possibilitarão a consciência nuclear e autobiográfica. A este nível, ficam ao alcance do ser humano o pensamento, a linguagem, o sentimento nas suas mais diversas modalidades, a ética, a cultura, a arte na suas diferentes expressões musical, pictórica, literária, arquitectural, etc. A narrativa científica de António Damásio não parece permitir ir mais longe tendo em conta o seu ponto de partida. Fica fechado no interior de uma visão evolutiva e imanente. A regulação da vida garantida por processos biológicos, corporais e neurocerebrais na interface corpo-mente em que dará mais tarde entrada o eu possibilitando a emergência da consciência dever-se-á à homeostase puramente biológica ou progressivamente potencializada e especializada pela mente e pela consciência uma vez habitada pelo eu nuclear e autobiográfico.
Como neurocientista Damásio não parece abrir-se à experienciação anárquica do antes em que tudo poderá ter acontecido, como diria Levinas, que apenas a ligação religiosa dos crentes possibilita, e predispor-se para poder entrar na exterioridade infinita de Alguém totalmente Outro, um Deus infinitamente amoroso, clemente e bom, revelado em Jesus Cristo como Pai. A neurociência de António Damásio, pelas leituras e estudos que me foi possível fazer, acho que não chega a este nível homeostático a que o ser humano parece aspirar e, porventura, reclamar, nem as hipóteses que científicamente pretende demonstrar o permitiriam. Mas é uma hipótese que de há muito está presente e é debatida e vivida na história da humanidade e exigirá também respostas nestes tempos que são os nossos e no futuro sem complexos mas com o melhor de todo o nosso equipamento cognitivo, afectivo, cultural que a longa história do progresso humano e de todo o seu aperfeiçoamento vai possibilitando. Isto poderia chamar-se simplesmente honestidade, desnudez, respeito para com a realidade que se nos apresenta em cada um dos momentos em que a pretendemos descrever, explicar e compreender. Pará isso será necessário, com certeza, mobilizar a ciência, a arte, a tecnologia e, porventura, a crença ao mais alto nível de que o ser humano vai sendo capaz em cada momento.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

E se António Damásio tivesse razão? A criação da mente, o nascimento do eu

E se António Damásio tivesse razão? A criação da mente, o nascimento do eu e a emergência da consciência



Introdução


As três questões maiores a que António Damásio tenta dar resposta em “O Livro da Consciência. Construção do Cérebro Consciente” a saber:
 como é que o cérebro constrói a mente?
 como é que o cérebro torna essa mente consciente?
 qual a estrutura necessária ao cérebro humano e a forma como tem de funcionar para que surjam mentes conscientes?,
ilustram bem o trajecto seguido, sobretudo, nos últimos 20 anos, pelo autor na sua investigação e prática clínica no domínio das neurociências.
Tenho lido, reflectido e estudado a obra do neurocientista em seus 4 grandes livros: “O Erro de Descartes: Emoção, Razão e Cérebro Humano (1995)”, “Sentimento de Si: O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência (2000)”, “Ao Encontro de Espinosa: as Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir (2003) e “O Livro da Consciência. Construção do Cérebro Consciente (2010)” e outros trabalhos científicos de relevo. Confesso que gostei e julgo ter aprendido muito com a sua leitura e estudo. Aquela obra, porém, que mais me deu que pensar foi o livro “Ao Encontro de Espinosa”. Talvez, por ser a mais filosófica e aquela em que o autor pretendia sair das margens do neurocientista, agora Professor da Cátedra David Dormside de Neurociência, Neurologia e Psicologia na University of Southdern Califórnia e Director do Brain and Creativity Institute e ir mais além perseguindo as pisadas de Espinosa.

Em “O Livro da Consciência”, António Damásio parece deixar mais claros os pressupostos em que assenta a sua intuição de base que vem do fundo da física, da química e da biologia através de diferentes níveis de organização e complexificação no interior dessa dinâmica criadora, demiúrgica, mágica, quase divina, a evolução natural em que parece estar ausente qualquer ideia de princípio ou força de natureza exterior e distinta que dê sentido ou presida a todo o processo. Nesta grande e maravilhosa espiral da evolução que se desenrola progressivamente das formas mais simples às mais complexas e organizadas e vai passando por diferentes níveis da realidade inanimada ou sem qualquer intencionalidade à biológica, corporal, neurocerebral, mental, consciente, social-cultural, humana. Toda esta arquitectura evolucionista, porventura, dialéctica, é meticulosa e rigorosamente explicada na altura em que entram em acção os actores biológicos e neurocerebrais nos processos da criação da mente, do nascimento do eu e da emergência da consciência. Temas que nos fazem e fizeram pensar muitos curiosos, estudiosos e cientistas ao longo dos tempos, e continuam, com maioria de razão, a fazer pensar, estudar, investigar e a experimentar a António Damásio.

Nesta reflexão, porém, não entrarei na dissecação e análise de toda a engenharia biológica e neurofisiológica que está subjacente à criação da mente, ao nascimento do eu e à emergência da consciência na narrativa de António Damásio e às múltiplas intervenções do sistema nervoso e do próprio corpo nesse processo. Não é esse o meu objectivo nem seria possível descer a um tal pormenor nesta breve síntese de reflexões para uma possível discussão. Destacarei apenas os pressupostos que lhe estão subjacentes e o seu impacto na vida e nas crenças do ser humano em relação à criação da mente, ao nascimento do eu e à emergência da consciência. Acrescentarei um tópico final em que evocarei um tema que me é caro, a imanência e a transcendência, que, de certo modo, constituiu a trave mestra da minha dissertação de doutoramento defendida na Universidade Católica de Lovaina, em 1977, sobre: Le langage de l’Autre chez Emanuel Levinas et Jacques Lacan.

Para facilitar a abordagem dos tópicos que servirão de ancoragem a esta reflexão e com base na antevisão das ideias principais que o autor de “O livro da Consciência” diz terem estado na sua elaboração, sublinharei, em breves traços, a narrativa que, aos meus olhos, lhe esteve subjacente.
Há alguns milhares de milhões de anos começou a grande aventura da evolução de que Darwin foi, com certeza, um dos seus principais estudiosos, cientistas e representantes. Assim, de formas extremamente simples às mais complexas através de processos de organização e complexificação crescentes foram surgindo os mais diversos e elevados níveis de realidade mais ou menos específicos que podemos observar nos nossos dias e outros muitos que foram desaparecendo ao longo do tempo. A um nível mais próximo de nós e reportando-se directamente ao homem, Damásio assenta o primeiro pressuposto e aquele que considera mais importante: o corpo é o alicerce da mente consciente. A seguir, estabelece que as estruturas cerebrais do proto-eu não se limitam a ter a ver com o corpo mas estão-lhe intrinsecamente ligadas. Sobre este cenário estabelece a hipótese de que o produto principal e mais elementar do proto-eu são os sentimentos primordiais e todas as imagens da mente são acompanhadas por sentimentos. Defende ainda que o cérebro não começa a edificar a mente consciente ao nível do córtex cerebral mas ao nível do tronco cerebral e os sentimentos primordiais não só são as primeiras imagens da consciência geradas pelo cérebro mas também manifestações espontâneas da consciência. Acrescenta ainda que o eu e a consciência não acontecem numa só área, região ou centro do cérebro, quer se trate do eu nuclear ou do eu auto-biográfico. A mente consciente resulta da articulação fluida entre vários locais do cérebro. Gerir e proteger a vida de forma eficiente são as “grandes proezas” da consciência na sua função homeostática ou de regulação da vida. Pacientes neurológicos cuja consciência esteja comprometida não são capazes de gerir a vida mesmo quando as suas funções vitais básicas operam normalmente. Sabendo que, hoje, os mecanismos para a gestão e manutenção da vida nem são uma novidade na evolução biológica nem dependem necessariamente da consciência, acrescenta que a marcha do progresso da mente não termina com o aparecimento do eu nuclear mas vai sendo gradualmente envolvido pelo eu autobiográfico cuja natureza neural e mental é muito distinta daquele. Tanto a homeostase básica não consciente como a homeostase sociocultural criada e orientada por mentes conscientes reflexivas actuam como “curadoras” do valor biológico. As variedades básica e sociocultural da homeostase que se expandem e procuram o bem-estar estão separadas por milhares de milhões de anos de evolução mas perseguindo um mesmo objectivo: a sobrevivência de organismos vivos ainda que em nichos ecológicos distintos. Destaca, ainda, que a interacção entre esses dois níveis homeostáticos não se limita a cada indivíduo pois há cada vez mais provas de que os desenvolvimentos culturais ao longo de gerações levam a alterações no genoma. E a concluir esta súmula de ideias basilares, acrescenta que observar a mente consciente à luz da evolução, desde as formas de vida mais simples aos organismos mais complexos e hipercomplexos, permite “naturalizar” a mente e mostrar que ela é o resultado de um aumento progressivo de complexidade dentro do expressivo idioma biológico.
Em síntese, esta narrativa pressupõe a dinâmica de uma evolução natural de formas mais simples, que vem do fundo do tempo, a partir das quais se originam, constroem as formas complexas e hipercomplexas que temos hoje e possibilitarão as futuras ainda com maior grau de complexidade, através de uma longa ascensão, no decorrer de muitos milhares de milhões de anos. Nessa ascensão, a física devem biologia e a biologia, devem neurobiologia, cérebro, mente, eu, consciência, proto-eu/proto-consciência, eu nuclear/consciência nuclear, eu autobigráfico/consciência autobiográfica. É um longo ciclo do devir cujo termo não se antevê. O que é preciso é esperar que, em determinados momentos do processo, determinadas células mais ou menos específicas tomem iniciativas, de alguma forma, qualitativamente distintas, construtoras, criadoras. Toda a dinâmica é explicada mediante uma dialética evolutiva de organização e complexificação que possibilita a criação da mente e a emergência da consciência que a entrada no processo de um eu sujeito e objecto desencadeia assumindo-se simplesmente como dono e senhor da maravilha acabada de ser construída, criada a partir da sua própria iniciativa. Damásio procura explicar como é que tudo isto começou e os passos porque foi passando mas apesar de afundar esta história no tempo ao longo de vários milhares de milhões de anos, aos nossos olhos, não consegue dar uma explicação satisfatória de quando é que tudo começou e de onde veio, no estado actual da ciência, por maior que seja o grau do seu optimismo.
Defronta-se, por isso, toda a sua teoria, como é costume dizer no jargão filosófico, com uma petição de princípio, ou seja, constata-se uma ausência de princípio que não encontra, na realidade um verdadeiro fundamento. Dá-nos, por isso a ideia de uma história muito bonita e muito bem construída mas sem uma verdadeira ancoragem nem na direcção do imensamente pequeno nem do imensamente grande nem do imensamente consciente. Ou então, teríamos de concluir simplesmente que tudo é matéria e a matéria é tudo e que a matéria seria eterna e infinita e, por consequência, os milhares de milhões de anos da evolução não teriam qualquer significado em presença dessa ausência ou negação de enquadramento espácio-temporal que daí adviria.
Seja como for, a esta luz, a construção, a criação da mente, a emergência da consciência e nascimento do eu bem como a imanência e a transcendência teriam de continuar a assumir contornos e sentidos diferentes daqueles que António Damásio pressupõe na sua narrativa. Nos tópicos seguintes, apresentaremos de um modo mais claro as nossas divergências em relação àquela que, aos nossos olhos, constitui a tese de fundo de Damásio, uma vez que partimos de pressupostos diferentes. De qualquer forma, a explicação damasiana é partilhada por outros muitos cientistas, hoje, nos domínios da biologia e das micro, tecno e nanobiologias e se encontra na crista da onda do progresso científico e tecnológico pelo que nos merece todo o respeito e a admiração pela informação, análise, rigor e seriedade que coloca na sua apresentação e fundamentação.


Criação da mente

Julgo que ao considerarmos a criação da mente na perspectiva de António Damásio, a passagem descrita na página 36, é bastante elucidativa pelo que não resisto em transcrevê-la:

“A mente surge quando a actividade de pequenos circuitos se organiza em grandes redes, capazes de criar padrões neurais. Estes padrões representam objectos e acontecimentos situados fora do cérebro, tanto no corpo como no mundo exterior, mas certos padrões representam igualmente o processamento de outros padrões por parte do cérebro. O termo mapa pode ser aplicado a todos esses padrões representativos, alguns simples e toscos, outros muito refinados, alguns concretos e outros abstractos. Em resumo, o cérebro mapeia o mundo em seu redor, bem como o seu próprio funcionamento. Esses mapas são experienciados como imagens da nossa mente, e o termo imagem refere-se não só às imagens de tipo visual mas também a imagens com origem em qualquer sentido, sejam elas auditivas, viscerais ou tácteis, por exemplo”.

Na verdade, neste texto, António Damásio não fala propriamente de criação da mente mas ela surge espontaneamente quando a actividade de pequenos circuitos se organiza em grandes redes, capazes de criar padrões neurais que representam objectos e acontecimentos situados fora do cérebro tanto no corpo como no mundo exterior que representam igualmente o processamento de outros padrões por parte do cérebro. Todos estes padrões representativos são os mapas do cérebro experienciados como imagens da nossa mente referindo-se não apenas a imagens visuais mas também a imagens com origem em qualquer outro sentido. Quando o cérebro de um organismo vivo consegue mapear e representar redes de padrões neurais do mundo envolvente, do seu corpo e do seu próprio funcionamento, poderíamos dizer com Damásio que a mente, de algum modo, surge, é construída, criada. Mas será que se trata propriamente de uma criação a partir da simples complexificação e organização da matéria física, biológica, neurológica, celular, corporal? Ou seja, algo que até esse momento não existia com essa modalidade de ser e passa a existir, de alguma forma, como uma entidade superior e distinta. É justamente aqui onde a discussão começa a ser mais vigorosa e julgo que a resposta que é dada por Damásio acaba por ser muito curta, rudimentar e provisória não obstante o nível de conhecimento que pressupõe do corpo, do sistema nervoso e da sua intersecção bem como da sua estrutura, funcionamento e ligação com diferentes comportamentos psicológicos e sociais de natureza, cognitiva, afectiva e volitiva. Tenho o sentimento que, apesar de Descartes não ter razão, de acordo com uma outra tese de António Damásio bem conhecida, as suas teses continuam bem presentes e, de certa forma, incontornáveis nas quais o ser humano é integrado por uma alma física e uma alma pensante que não provêm uma da outra. Ou seja, a mente pressupõe um corpo e um cérebro mas não parece adquirido que se origine a partir da simples evolução do corpo e do cérebro através da iniciativa de um conjunto de células mais ou menos específicas e especializadas num determinado momento do processo. É tão simples e evidente como isso, diria Descartes, e continuamos a dizer também nós, uma vez que as evidências que nos são apresentadas não nos convencem tendo em conta as interrogações que nos colocam a fundura e mistério do imensamente grande, do imensamente pequeno e do imensamente consciente que a realidade existente e possível nos esconde e não deixa de provocar e seduzir a nossa cupidez de conhecer e aprender que constitui também o nosso poder mágico de sermos e de nos tornarmos mais humanos.
Será que a convicção de Descartes e de todos aqueles que, no decorrer dos tempos, defenderam que são necessários dois princípios de natureza diferente para a compreensão da realidade continua inexpugnável? Parece ser esta a questão que, não obstante, o maravilhoso progresso da ciência e da tecnologia, permanece de pé e a razão de António Damásio não parece ser suficiente para a dirimir. Esta mesma constatação é ainda mais gritante quando Damásio aborda o nascimento do eu e a emergência da consciência.


Nascimento do eu e a emergência da consciência.

Este passo na tese evolutiva defendida por António Damásio é ainda muito mais problemático e complicado embora tudo seja apresentado de uma forma extremamente simples. Aos meus olhos, Damásio defende que quando a mente é assumida por um eu, na sua dimensão subjectiva e objectiva, inspirando-se em William James, torna-se consciente. Ou seja, nesse mesmo momento, emerge a consciência que irá depois fazer o seu caminho, da proto-consciência à consciência auto-biográfica ancorada na consciência nuclear. Damásio procura basear a sua explicação no princípio evolutivo da matéria mas, na verdade, ficamos sem saber como, de repente ou no decurso de milhares de milhões de anos, aparece esse eu como dono e senhor do processo, que toma decisão nos mapeamentos das imagens do cérebro e das percepções, representações e memórias da mente e as torna conscientes, as conceptualiza e as transforma em raciocínios. Sabemos, de há muito, que o eu enquanto sujeito de conhecimento toma toda a iniciativa através do seu próprio corpo e, especialmente, do cérebro e todos os seus mecanismos cognitivos ao nível sensorial e do entendimento, mapeando através padrões neurais, redes de imagens, de sensações, percepções, ideias o seu mundo interior e exterior que lhe chega da realidade corporal interna e externa das mais variadas formas e através de diversos estímulos. Ou seja, o eu, com todo o equipamento que lhe é fornecido pelo corpo que integra naturalmente toda a arquitectura e funcionamento do sistema nervoso central e periférico e a mente, a sua dimensão espiritual, toma toda a iniciativa na acção de conhecer os objectos, os acontecimentos e as relações que lhe são presentes através dos mais diversos estímulos que, de certa forma, como luzeiros, assinalam a vinda à presença de tudo o que é real. Damásio, na verdade, não admite esta dupla realidade corporal e espiritual mas apenas um contínuo, produto da simples evolução que é susceptível de atingir níveis de complexificação e organização mais ou menos perfeitos como mente, como eu e como consciência proto, nuclear e autobiográfica.
Pessoalmente, tendo em conta a realidade tal como vai sendo conhecida, na direção do imensamente grande, do imensamente pequeno e do imensamente consciente, sinto-me, apesar de tudo, não obstante também manter um certo optimismo diante do progresso científico e tecnológico a que estamos a assistir e no qual, de algum modo, participamos, mais confortado admitindo, ainda que provisoriamente como Descartes, a crença de que alguém num certo momento do processo evolutivo ou outro tomou a iniciativa e criou as mais variadas e misteriosas formas de realidade actual ou possível e não deixou isso ao simples acaso ou das leis da evolução. Pessoalmente, não receio em assumir também esta possibilidade que, não obstante, o maravilhoso progresso científico permanece como uma explicação não menos consistente que as outras embora infinitamente misteriosa e não demonstrável por processos meramente científicos e tecnológicos ou simplesmente racionais. É isso o que iremos tentar explicitar um pouco mais abordando um tema que nos é caro, a seguir: a imanência e a transcendência.



Imanência e transcendência

Como referia acima, imanência e transcendência foi um dos eixos fundamentais que atravessaram a minha investigação para a elaboração da tese de doutoramento realizada entre 1974 e 1977 na Universidade Católica de Lovaina subordinada ao tema “Le Langage de l’Autre chez Emmanuel Levinas et Jacques Lacan” orientada pelos Professores Jacques Taminiaux e Jacques Schote. Ainda hoje, tenho bem gravado no meu espírito, uma pergunta que me foi colocada na arguição: não será que o que procura demonstrar não passa de “uma pura tautologia”?. Argumentei com força e com uma certa indignação até porque a questão vinha de um dos meus orientadores que, embora fosse pertinente, ma deveria ter colocado no início ou, pelo menos, durante o processo da elaboração do trabalho. Ou, então, foi simplesmente para me espicaçar o que, como sabemos, também faz parte desse ritual.
Nas verdade, a minha tese assentava na base de que, embora se pudessem encontrar pontos de convergência na abordagem da Linguagem do Outro em Jacques Levinas e Jacques Lacan, no fundo, eram diferentes porque partiam de pressupostos distintos. A linguagem do Outro em Levinas era exterior ao sistema da totalidade, le tout autre, l’ infini. Em Lacan ela era interior ao sistema verificando-se apenas não na continuidade metonímica mas, sobretudo, na rotura metafórica em que o sistema fechado e rígido da verdade da representação lógica em que assenta o saber científico, “o saber da universidade”, como costumava dizer Lacan, era, de certa forma transgredido, pela verdade da alêtheia que ao revelar oculta o próprio mistério da realidade e por isso a torna impossível de dizer e conceptualizar como algo ausente que acabou de deixar o lugar em que se encontrava ainda quente pela sua presença. Jacques Levinas também partilhava uma visão semelhante e distinta contra a violência da representação lógica ou tematizante, a da experienciação anárquica e ética em que a razão dessa honestidade e respeito pela realidade é imposta por um princípio exterior, transcendente, infinito, fora do perímetro da totalidade. Lacan inscreve a sua teoria dentro da totalidade, é imanente à mesma, a rotura dá-se dentro do próprio sistema espácio-temporal em que o ser humano acontece e habita.

Voltando a António Damásio é fácil constatar que a sua teoria é essencialmente imanente à realidade. Tudo acontece no interior desta realidade sem qualquer intervenção de um princípio ou ser exterior apenas mediado pela dalética da evolução ao longo do tempo em que as realidades mais simples vão evoluindo para realidades mais complexas dando, de certa forma, saltos qualitativos através de golpes mágicos que a própria especificidade, complexidade e organização assumem em determinados momentos do processo. Iniciativas transformadoras, construtoras ou, porventura, criadoras que algumas células ou conjuntos de células provocam espontânea e naturalmente.
Damásio tem, aos nossos olhos, procurado fundamentar esta tese na sua obra escrita e na sua experiência clínica de neurologista e neurocientista com grande mestria mas não deixa de nos deixar enormes dúvidas porque da análise, estudo e reflexão que temos vindo fazer ao longo de todo este tempo na esteira de muitos outros pensadores e cientistas parece-nos que o que se propõe e procura demonstrar é excessivo e não tem apoio na realidade tal como ela continua a apresentar-se-nos como muito misteriosa e impenetrável aconselhando-nos a moderar o nosso otimismo de cientistas e a sermos mais honestos, pacientes e, porventura, mais modestos e menos exibicionistas.
É por isso que, apesar do respeito que me merecem os estudos, a investigação e a intervenção de António Damásio e da sua equipa, nos domínios da estrutura e funcionamento dos diferentes partes do cérebro e da sua ligação como o corpo, com o meio interno e externo bem como a sua interligação com a actividade psicológica e sócio-cultural do ser humano na interface das dimensões cognitiva, afectiva e volitiva ou de tomada de decisão, não podemos deixar de moderar a nossa cupidez e a nossa loucura, se me é lícito usar este conselho de Steve Jobs, e continuar a preferir que a resposta à pergunta de Shakespear, no início do Hamelet: quem está aí?, não pode ser um sonoro “nada”, “um ninguém” mas “qualquer coisa diferente”, “alguém” que possa dar resposta à nossa curiosidade incurável diante desta realidade que nos habita, somos, nos envolve e nos escapa constantemente.

Por isso, as explicações de António Damásio parecem efectivamente inscrever-se no sistema fechado da totalidade material em que a dinâmica evolutiva possibilita a emergência dos diferentes níveis de realidades existentes ou possíveis mas sem qualquer abertura exterior. Ou seja fecha-se num sistema imanente sem qualquer possibilidade de transcendência que, aos meus olhos, é curto para dar resposta às interrogações que se levantam sobre o princípio, o desenvolvimento e o fim de tudo o que existe, do que somos, do que queremos, nos envolve e nos sustem. Sem negar a evolução natural, não podemos deixar de admitir uma certa visão criacionista da realidade que, de alguma forma, nos deixe respirar como humanos e dê sentido à nossa racionalidade ainda que, porventura, menos objectiva e racional. O que é misterioso continua a ser uma abertura para a nossa sede de conhecer e aprender que constitui o nosso poder mágico de ultrapassarmos os nossos limites e, em certa medida, nos constitui como humanos e nos possibilita continuar a nossa saga de sermos, nos tornarmos mais humanos.

Se António Damásio tivesse razão tudo isso estaria seriamente comprometido e nosso sonho transformar-se-ia num enorme pesadelo. Felizmente, continua a haver razões que a razão desconhece mas reconhece.


Nota bibliográfica e webgráfica

Mantenho aqui a mesma atitude que expressei no meu livro “O Poder Mágico de Conhecer e Aprender” publicado no Brasil, em Novembro de 2011, a saber, não irei alinhar aqui uma listagem de referências bibliográficas e webgráficas que, na verdade, não fariam muito sentido, pois, em grande medida, fazem já parte de um património que, algum modo, é de todos. A originalidade do que se escreve e se diz, hoje, começa a ser cada vez mais rara. Devo, no entanto, notar que enquanto ia meditando e escrevendo estas páginas fui lendo dois livros que, neste momento, me acompanham, “O Livro da Consciência. A Construção do Cérebro Consciente” de António Damásio e “Steve Jobs” de Walter Isacson bem como alguns endereços da Net em que a minha atenção se deteve mais especificamente e que também não irei referir por não me parecer de particular interesse nem se revestir de uma utilidade especial para os potenciais leitores deste texto.

Aveiro, 12 de Janeiro de 2012
José Tavares

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O poder mágico de conhecer e apreder na educação e na pesquisa

Avançar com um blogue sobre um tema desta natureza é um enorme desafio atendendo sobretudo ao qualificativo "mágico". Trata-se efecticamente de um poder´mágico no sentido de ser essencialmente transformador, dimiúrgico que a acção de conhecer e aprender de facto envolve. É por esta via que orientaremos os comentários que iremos disponibilizando neste blogue.

O poder mágico de conhecer e apender poderá desenvolver-se em diferentes campos de incidência. Neste caso, esses campos são a educação e a pesquisa. Não valerá a pena referir que se trata de campos extremamente complexos e desafiadores em que a magia de conhecer e aprender em toda a sua força, discernimento e criatividade terão de ser postos à prova. Vejamos pois como esse poder mágico, demiúrgico, criador se manisfesta e actua:

na educação
Como sabemos, do ponto de vista etimológico, educação deriva de educere "sair do seu próprio fundo", "desenvolver-se a partir do seu próprio potencial" biológico, psicológico em interacção como as diferentes mediações internas e externas espácio-temporais. A educação, como construção no espaço e no tempo. Educar pressupõe, duas dinâmicas que se implicam e potencializam:

na formação e pesquisa.

Formação e pesquisa são duas realidades, de alguma forma, inseparáveis. Hoje, não se pode formar sem investigar e investigar é, de alguma maneira também, formar. Os alunos, os professores e os investigadores não podem deixar de trabalhar esforçada e rigorosamente nesta perspectiva quer no aprofundamento das próprias temáticas quer nas metodologias a pôr em acção. Tudo isto, porém, terá de passar através desse poder mágico de conhecer e aprender que é transversal a toda a acção humana. Só assim nos tornaremos mais humanos que é o grande objectivo desta aventura em que todos estamos envolvidos. Mas haverá que fazê-lo com uma grande avidez à mistura com uma certa loucura que nos torma mais disponíveis sobre o passado, o presente e o futuro para os re-inventar, recriar e transformar ou, mesmo, transmutar. Eis o grande desafio verdadeiramente demiúrgico e criador que nos espera nos novos tempos.
Do mais fundo da nossa realidade inconsciente e consciente que se desdobra muito provavelmete a partir de toda a arquitectura genética e neurocerebral que suporta e possibilita o fenómeno da consciência, conhecer e aprender estão subjacentes a toda a acção verdadeiramente humana pessoal e colectiva. Por isso, conhecer e aprender para além do fascínio e cupidez que encerram são também fonte de querer, de poder, de amar e estar com os outros. Daí que despertar os alunos para esta realidade deverá ser uma prioridade de toda e qualquer acção educativa e da própria vida do homem na sua grande aventura de se tornar mais consciente e livre, mais humano.
Avivar esta vontade, este desejo, esta fome de querer conhecer e aprender é abrir-se e predispor-se para a pesquisa e invenção cientítica, transformação tecnógica e criação artística; é o princípio da sabedoria que constitui esse poder mágico do humano que deverá configurar toda a sua acção. Como entusiasmar os alunos, desde cedo, a embarcar nesta aventura é o grande desafio e o trabalo fundamental a realizar com eles na educação e na formação. É essa, pelo menos, a minha convicção.
Se os alunos e as pessoas, em geral, na sua vida do dia a dia, não qusiserem conhecer mais, aprender continuada e progressivamente qualitativa e quantitativamente, devevolver e optimizar este poder mágico de conhecer e aprender, os conteúdos de conhecimento cietífico e pedagógico e as diversas e sofisticadas metodolgias utilizaadas para o efeito serão insignificates e ineficazes. Será preciso antes ajudar a libertar essa vontade, esse desejo, esse poder de conhecer e aprender. É essa a convicção e a atitude que encontramos nos grandes cientistas, pedagogos e artistas de todos os tempos e constitui a grande força que os fez avançar, desenvolver-se e tornar-se conhecidos. Esta intuição é fácil de descobrir na suas obras bastando apenas alguma atenção e discernimento.
A este propósito a recomendação de Steve Jobbs que foi também um dos lemas da sua vida, "manter-se ávido e louco", assume todo o sentido, força e poder de acção, porventura, um poder mágico, nesta travessia da vida humana em que ainda numa outra máxima que também é sua "a morte é a melhor invenção da vida" que não anda longe daquela outra bem conhecida de Jesus de Nazaré:"se a semente não apodedrecer não haverá nova vida". Uma verdade que atravessa todos os níveis biológicos e humanos.

Acabo de publicar, no Brasil, na LiberLivro (Brasília) um livro sobre "O Poder Mágico de Conhecer e Aprender" onde poderá encontrar um conjunto de temas que, de algum modo, são atravessados pela ideia de que conhecer e aprender que está subjacente a toda a acção humana mais ou menos consciente é um verdadeiro poder mágico. Convido-o a ler este livro e tentar descobrir como é que esse poder acontece na acção humana e como será possível optimizá-lo em prol das pessoas e do mundo em que nos é dado viver. Trata-se de um convite e de um desafio que aqui lhe deixo. Por minha parte, estou disponível para reflectir consigo sobre essas e outras ideias que achar por bem trazer para o debate. Venha daí. Há muito a desbravar sobre este assunto. (Ver: https://www.livrarialoyola.com.br/detalhes.asp?secao=livros&CodId=1&ProductId=320214&Menu=1)

Incentivar, desde o início, na criança, este poder mágico de conhecer e aprender constitui o segredo e a garantia do seu desenvolvimento pessoal e profissional futuro. Será com base nesse conhecimento e aprendizagem atravessados ou lubrificados pela afectividade como estruturante fundamental que a educação e a socialização deverão efectuar-se para o seu equilíbrio psicológico e cidadão. Como referíamos acima, não é possível desejar, querer, amar, estar com os outros, ser livre e responsável sem esse poder que é constitutivo do ser humano através da sua capacidade de conhecer e aprender. Daí que nunca será demais sublinhar este seu poder mágico, transformador, criador, demiúrgico, quase divino, como me apraz dizer.
Este poder mágico de conhecer e aprender que é transversal a toda ação humana é um sucedâneo que vem do fungo do tempo na dinâmica da evolução física, biológica, psicológica e sócio-cultural. Há toda uma pesquisa nos domínios das neurociências, como as de António D amásio, entre tantos outros cujas conclusões são muito animadoras ainda que, porventura, demasiadas optimistas. Veremos, mais em pormenor, mais adiante as virtualidades e fraqueza destas teses.

António Damásio, por exemplo, disseca e explica todos os mecanismos neurocerebrais que intervêm nas disposições inconscientes básicas, na criação da mente, no surgimento do eu e na emergência da consciência tendo em conta apenas os diferentes níveis de complexidade e organização que assumindo diferentes tipos de células, mais ou menos, especializados e padrões ou redes de padrões neutrais na dinâmica da evolução através de iniciativas especiais e espontâneas que conduzem, de certa forma,a dar saltos qualitativamente distintos. Do material ao imaterial, da física à biologia, do corpo ao espirito, de realidades tagiveis a intangíveis. Ora esta é uma tese que, aos nossos olhos, apesar da evolucção científica e tecnológica, estã longe de estar provada.