terça-feira, 13 de agosto de 2013

Tudo o que passa por nós fica em nós

Não apenas somos de uma determinada forma mais ou menos específica mas tudo aquilo que conhecemos, sentimos e queremos de algum modo nos marca e fica em nós fazendo parte, para o bem e para o mal, do nosso próprio ser e estar no mundo e com os outros. Quando ajudava os meus alunos a descobrir e a compreender a essência e a natureza do fenómeno do conhecimento que determina, em certa medida, todo a agir humano a níveis mais conscientes, subconscientes ou inconscientes e, mesmo pulsionais, instintivos e reflexológicos, tinha em mente este pensamento. Às vezes, insistia, mesmo sem professar as teses determinísticas que a natureza  não perdoa deixando as suas marcas indelevelmente visíveis no decorrer do tempo quer físicas, biológicas, psicológicas, sociais, culturais, éticas. É isto o que está também subjacente a esse poder mágico de conhecer e aprender que nunca será demais sublinhar como condição sine qua non do agir humano em que a capacidade de comunicação e relação assumem a sua expressão mais alta e determinante possibilitando a sua própria liberdade de ser inteligente, consciente e responsável. Emmanuel Levinas, no momento mais avançado do seu pensamento transcendental, porventura,  à luz da sua fé talmúdica e de uma lógica da alêtheia, suportada mais numa perspectiva anárquica da realidade do que na lógica da representação, em que o que está em questão, aos seus olhos, é a possibilidade do sujeito humano ter de ser responsável antes mesmo de existir e de ser livre.  Esta sua perspectiva anárquica pressupõe uma visão antecipada da própria realidade da existência humana antes mesmo de ela própria acontecer. É como se a pessoa estivesse sentada numa poltrona a assistir ao advir da sua própria existência e poder ser responsabilizado antes mesmo de existir e de ser livre.
Noutros tempos, o meu espírito foi questionado e, de certa forma, seduzido por esta forma de ler o mundo, a vida, o existir humano e os diferentes modos de os apreender, pensar e exprimir. Não irei debruçar-me aqui sobre esse tempo e alguma pesquisa que desenvolvi, designadamente, para a tese de doutoramento mas não resisto em evocar um pequeno resumo que, na altura, foi publicado  na Revista Filosófica de Lovaina que rezava assim:
Cette thèse veut être un essai de rapprochement entre le cheminement et le but des démarches de Levinas et de Lacan. Il s'agit, certes, de deux discours différents, s'inscrivant l'un dans une sorte d'analyse existentiale phénoménologico-éthico-mystique, l'autre dans le champ de l'expérience psychiatrico-psychanalytique. Mais, tout en se méconnaissant l'un l'autre, ils ont quelque chose en commun, à se dire et à faire. Ce quelque chose apparaît à la suite de quelques conclusions auxquelles aboutit l'A., à savoir : tous les deux, et différemment, mènent le même combat contre la «violence de la lumière», contre une conception «ontique» du monde, de la représentation logique, contre les prétentions trop optimistes d'une conscience du Même, contre le discours du savoir, du «maître»; en conséquence de cet état de choses, tous les deux proposent une «déconstruction», un «dédire», un « déjouer » du langage ordinaire ; tous les deux suivent une dialectique méthodologique semblable : celle qui va du concret au concret ou du concret à la «concrétude » des choses, se gardant donc de tout processus d'abstraction logique et procédant plutôt par approches imagées allant d'image à image, de suggestion à suggestion, bien qu'à un niveau fort symbolique.
(756 Chroniques. José Pereira da Costa Tavares, Le langage de l'autre chez
Emmanuel Levinas et Jacques Lacan (29 juin 1977). Ouvrages envoyés à la rédaction. In: Revue Philosophique de Louvain. Quatrième série, Tome 75, N°28, 1977. pp. 786-794.

http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/phlou_0035-3841_1977_num_75_28_6904 )


Nessa altura, havia um discurso distinto que me trabalhava, mas, no fundo, ele não era muito diferente, não obstante o desenvolvimento científico e tecnológico extraordinário que entretanto se operou, daquele a que efectivamente voltei, em 2011, no livro: O Poder Mágico de Conhecer e Aprender.  Por   isso, quando afirmamos que tudo o que passa por nós fica em nós estamos apenas a dizer que na natureza nada se perde tudo se transforma e que a mudança só é possível porque tudo permanece e nós somos, sobretudo, o nosso passado porque o presente quase não existe, pois quando está a acontecer já era, e do futuro pouco ou nada sabemos. É este poder mágico de conhecer e aprender que continua a abrir ao ser humano o desenvolvimento científico, tecnológico e artístico em aceleração constante e lhe permite continuar a sonhar e, sobretudo, a ser mais humano. O segredo, porém, de toda esta aventura está na convergência dos saberes e dos modos de os atingir mais fechados e rígidos da representação lógico-matemática ou mais abertos e flexíveis, resilientes da hermenêutica, da heurística, da verdade do mundo, da vida e do homem como alêtheia, que é sabedoria. Será interessante e fecundo olhar para o poder mágico de conhecer e aprender  pela convergência desta dupla abertura que, efectivamente, possibilita que o nosso agir humano connosco e com os outros, permanece,  fica em nós, nos marca indelevelmente  e nos transforma.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

As instituições de formação e pesquisa do futuro

É significativa, a este propósito, a intervenção do Presidente da Universidade de Washington, Michael K. Young, na sua alocução à comunidade universitária, em 18 de outubro de 2012, ao chamar a atenção para o facto de que a educação, a formação do cidadão enfrentam, nos nossos dias, profundas e fortes  pressões que envolvem ou obrigam a novas formas de adaptação a um  novo paradigma, que enuncia aswim:  “The university of tomorrow is moving toward a new paradigm — certainly one with greater efficiency, but also one where innovation and technology combine with hands-on, collaborative learning to give our students an enhanced experience. Tomorrow’s university also exists in a world that is getting smaller and more hyper-connected. That means the great societal challenges we face require equally connected, integrative solutions.” 
Neste novo paradigma, de uma universidade mais pequena e mais hiperconectada,  a mobilidade, as redes de ligações, a abertura, a inteligência colectiva e os mundos virtuais apontam para novas e metatendências que irão configurar, no futuro, a formação, a pesquisa e os processos de conhecer e aprender.  Essas metatendências começam a identificar-se em torno dos pressupostos que começam a fazer parte de um certo património comum cujas principais linhas se constelam em torno de ideias que num sentido mais global e abrangente aqui relembramos em língua inglesa, a saber:

1. The world of work is increasingly global and increasingly collaborative.
2. People expect to work, learn, socialize, and play whenever and wherever they want to.
3. The internet is becoming a global mobile network--and already is at its edges.
4. The technologies we use are increasingly cloud-based and delivered over utility networks, facilitating the rapid growth of online videos and rich media.
5. Openness--concepts like open content, open data, and open resources, along with notions of transparency and easy access to data and information--is moving from a trend to a value for much of the world.
6. Legal notions of ownership and privacy lag behind the practices common in society.
7. Real challenges of access, efficiency, and scale are redefining what we mean by quality and success.
8. The internet is constantly challenging us to rethink learning and education, while refining our notion of literacy.
9. There is a rise in informal learning as individual needs are redefining schools, universities, and training.
10. Business models across the education ecosystem are changing.
Excerpts of the 10 top metatrends identified in A Communiqué from the Horizon Project Retreat, January 2012, an NMC Horizon Projectpublication under Creative Commons attribution license.

No fim de contas, porque é que tudo isto é importante? As  respostas a esta questão começam também a emergir com mais frequência e em espaços virtuais cada vez mais  abertos, virtuais, do domínio público, a saber:


Universities have long been able to adapt to their external environments without having to change their basic structures and ways of working. The shifts they now face are challenging the very idea of a university that has allowed these institutions to sustain themselves over hundreds of years.  Major changes will be needed across all areas, including:
  • ramping up technological infrastructure to be able to meet the expectations of the next generation of students,
  • accelerating the shift from academic driven learning to personalised and more flexible forms of learning - not a new concept but one that is becoming a reality among new providers and which money aware/ cost conscious students increasingly expect,
  • building new staff skills and capacities to enable radical innovation,
  • maintaining an even stronger focus on what really matters for the future,
  • designing new organisational structures that remove the silos that now keep people and knowledge apart in universities,
and most importantly,

  • creating new roles for academic staff to ensure they stay at the centre of the whatever new ways of learning eventually emerge from this transition.

Neste novo contexto, as instituições gigantescas, com grandes campi e edifícios de grandes dimensões cuja manutenção nos tempos de hoje se torna insustentável ou absorve uma boa parte dos recursos disponíveis, irão ser rapidamente substituídos por estruturas mais pequenas, leves e dinâmicas mas fortemente equipadas e hiperconectadas com base nas tecnologias mais avançadas que a investigação científica coloca a disposição do ser humano a velocidades estonteantes.
Os estudantes, os professores e outros agentes dessas instituições poderão realizar grande parte da sua actividade nas suas próprias casas mas uma boa parte que actualmente são gastos com a manutenção dos seus campi poderão ser dirigidos para apoio da atividade à distância do seu staff, dos estudantes e serviços administrativos e técnicos. A cara e a dinâmica da instituições universitárias do futuro irão certamente ser muito diferentes. 

É a esta luz, que as grandes transformações e a mudança das instituições do ensino superior estão já, aos meus olhos, a acontecer não apenas na sua estrutura física mas também na sua organização e gestão que uma nova concepção científica, pedagógica, curricular, tecnológica, social e cultural está a exigir.  Tudo isto vem demonstrar força e a importância desse poder mágico de conhecer e aprender com que o ser humano nos surpreende constantemente. É nesta direcção, que a nossa atenção e questionamento deverão continuar estar vigilantes, perspicazes e, sobretudo, procurar ser inteligentes, criativos, razoáveis e livres.