sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O problema de António Damásio

O problema de António e de outros muitos neurocientistas é o de um excesso de optimismo no progresso científico e da confiança excessiva na racionalidade. As hipóteses que levanta e procura demonstrar com base nas conclusões mais avançadas da pesquisa sobre as ligações do cérebro com o corpo, mundo interior e exterior, a criação da mente, o surgimento do eu e emergência da consciência ficam reduzidas e demasiado fechadas na dinâmica da evolução natural e espontânea. O cérebro humano ao nível cortical, talâmico e hipotalâmico e do tronco cerebral numa dinâmica colaborativa de acordo com as suas diferentes possibilidades de diagnóstico, coordenação e intervençâo a partir de todo um equipamento adquirido no decorrer da longa história da humanidade que, de alguma forma, se reproduz na vida de cada indivíduo, mapeia toda a realidade interior e exterior que por sua vez possibilita a entrada em acção da mente. Por sua vez, a entrada da mente torna possível a transformação das disposições em sentimentos primordiais e abrirá caminha à maravilhosa aventura da emergência da consciência que não terminará jamais. O proto eu e eu nuclear abrirão caminho ao eu autobiográfico que por sua vez possibilitarão a consciência nuclear e autobiográfica. A este nível, ficam ao alcance do ser humano o pensamento, a linguagem, o sentimento nas suas mais diversas modalidades, a ética, a cultura, a arte na suas diferentes expressões musical, pictórica, literária, arquitectural, etc. A narrativa científica de António Damásio não parece permitir ir mais longe tendo em conta o seu ponto de partida. Fica fechado no interior de uma visão evolutiva e imanente. A regulação da vida garantida por processos biológicos, corporais e neurocerebrais na interface corpo-mente em que dará mais tarde entrada o eu possibilitando a emergência da consciência dever-se-á à homeostase puramente biológica ou progressivamente potencializada e especializada pela mente e pela consciência uma vez habitada pelo eu nuclear e autobiográfico.
Como neurocientista Damásio não parece abrir-se à experienciação anárquica do antes em que tudo poderá ter acontecido, como diria Levinas, que apenas a ligação religiosa dos crentes possibilita, e predispor-se para poder entrar na exterioridade infinita de Alguém totalmente Outro, um Deus infinitamente amoroso, clemente e bom, revelado em Jesus Cristo como Pai. A neurociência de António Damásio, pelas leituras e estudos que me foi possível fazer, acho que não chega a este nível homeostático a que o ser humano parece aspirar e, porventura, reclamar, nem as hipóteses que científicamente pretende demonstrar o permitiriam. Mas é uma hipótese que de há muito está presente e é debatida e vivida na história da humanidade e exigirá também respostas nestes tempos que são os nossos e no futuro sem complexos mas com o melhor de todo o nosso equipamento cognitivo, afectivo, cultural que a longa história do progresso humano e de todo o seu aperfeiçoamento vai possibilitando. Isto poderia chamar-se simplesmente honestidade, desnudez, respeito para com a realidade que se nos apresenta em cada um dos momentos em que a pretendemos descrever, explicar e compreender. Pará isso será necessário, com certeza, mobilizar a ciência, a arte, a tecnologia e, porventura, a crença ao mais alto nível de que o ser humano vai sendo capaz em cada momento.

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