quarta-feira, 6 de outubro de 2021

A sabedoria de deixar cair o supérfluo que o tempo deixou

 

A viagem embora seja muito desafiante e estimulante, sem destino não faz sentido. O seu sentido está e vem do futuro. Mas não é possível caminhar para o futuro com tudo o que o tempo foi deixando nas nossas vidas sem deixar cair o supérfluo. Por isso, a verdadeira sabedoria é deixar cair tudo o que é supérfluo, simples carga, eis o sentido mais profundo da liberdade. Será que somos bastante inteligentes, persistentes e livres para seguir por esse caminho?  

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O tempo e o além-tempo na tua mão


 Para onde vai o tempo? Para o futuro? E o futuro? Irá para o além-tempo? E o além-tempo? O que será? Como será? Para onde vai? O que são o tempo e o além-tempo? Como se passa do tempo para o além-tempo? Essa passagem tem apenas uma direção? E no começo do tempo, o que aconteceu? 

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Do fundo do tempo para o além-tempo

  


 Tudo vem do fundo do tempo e se dirige para o além-tempo sem qualquer possibilidade de, na realidade, voltar a trás embora matematicamente se possa percorrê-lo em todas as direções. Mas este é o grande mistério das coisas que não deixa de nos questionar e de nos vislumbrar. Às vezes dou comigo a pensar e a interrogar-me: mas o fundo do tempo e o além-tempo não serão a mesma coisa? Sendo assim, como vem o o fundo do tempo do além-tempo? Ligação misteriosa entre a criação e o Criador que a ciência e a filosofia não conseguem explicar, compreender nem simplesmente negar, mas o caminho da sabedoria? Será esta, porventura, a abertura da esperança para os humanos e outros possíveis seres inteligentes do universo se prostrarem simplesmente em louvor e adoração?   

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Analogia, Vertigem e Atração da Exterioridade (1ª versão)

Nota introdutória O projeto de livro, Analogia, Vertigem e Atração da Exterioridade, procurará ser um grito do filosofar como amizade do saber e saber fazer: ciência, filosofia, arte, tecnologia. Procurar ir além da representação lógico-matemática e silogística que no mesmo ato de revelar, oculta. E apostar em abordagens mais abertas, analógicas, flexíveis, resilientes que exprimam outras formas de conhecer e experienciar a realidade que ao ocultar revelam, assentes no diálogo entre a física, a química, a biologia, a psicologia, a sociologia, a história, a cultura, em que tudo acontece desde as formas mais simples de sensibilidade, inteligência, emoção e consciência livre, dinâmica e progressiva, a partir de um sonho de amor de Alguém, Exterior, Outro, que pôs e põe constantemente tudo o que existiu, existe e venha a existir em movimento, ação, ser, nas mais diversas formas ou modalidades de um contínuo permanecer e evoluir. Num projeto de livro desta natureza, a liberdade de pensamento, a honestidade intelectual e a ética serão a norma e o limite. Não se recorrerá à autoridade como fundamento e justificação de afirmações dentro ou fora da caixa. Acolher-se-á, pelo contrário, tudo aquilo que é assumido como património comum da Humanidade que vem do fundo do tempo. O desejo, a ambição e o desafio que estarão subjacentes a toda esta aventura de conhecer, de sentir e de querer como um verdadeiro poder mágico dos humanos, serão as ferramentas para tentar ir além da razão e da inteligência e enfrentar a nudez da Exterioridade, do Outro. Sentir consciente e experiencialmente o sentido da anarquia, de algo ou de Alguém antes do começo de tudo o que existe e venha a existir como modalidade de ser, projeção, pura dádiva do SER simplesmente, é a atitude de abertura que será procurada como senda de sentido. O diálogo que parte da analogia atravessa a digitalização e volta à analogia indicará o caminho da abordagem. Por isso, a representação lógica e digital dos conceitos, dos números, dos meta-números por mais eficientes e rápidas que se apresentem no desenvolvimento científico e tecnológico destes tempos, que traduzem a expressão de universos, de modelos logico-linguísticos fechados e limitados em que toda a dinâmica funciona dentro de regras bem definidas que, de certa forma, ocultam e violentam a própria realidade que pretendem descrever e representar, será uma margem a tentar ultrapassar. Procurar-se-á, compreender e sem querer dominar ou violentar a realidade através de outra atitude que, no fundo, é mais analógica, inesgotável e misteriosa, sem rede, que pretende ser pura vertigem e atração da Exterioridade. Um método ou abordagem filosófica em direção à Exterioridade, a Outrem, a Alguém, Princípio e Fim de tudo o que existe e possa vir a existir e que foi sendo acolhido, venerado e temido pelo Homem no espaço e no tempo com nomes como: Deus, God, Criador, Nous, Primeiro Motor, Ideia Suprema de Bem, o Número dos números, a Medida das medidas, Javé, Pai em Jesus Cristo, etc.. Deus, começa onde termina a representação lógica, tematizante, violenta, castrante das ideias, dos juízos e dos raciocínios da mente, da inteligência e da razão do ser humano e até do próprio sentimento experiencial da mente consciente. Seguir pelo caminho da experiência de uma anarquia assim entendida, ou seja, de antes de todo o começo, de todo e qualquer princípio, parece ser o caminho possível que é, ao mesmo tempo, vertigem e atração para o homem e para todo e qualquer ser inteligente que exista e possa vir a existir neste imenso universo. A alêteia, a abordagem conotativa do discurso que a poesia tenta exprimir, como rotura metafórica, salto para além de, transgressão, que poderá abrir janelas para essa outra realidade que não é digital, pois não é possível descrevê-la ou circunscrevê-la em números ou meta-números. É uma realidade mais fina, resiliente, analógica, imaterial, misteriosa. É para esta aventura estimulante e desafiante que convido o leitor que, porventura, venha a confrontar-se com as ideias que deixarei a seguir em torno de temáticas como:  O Ser e os seres,  O imensamente misterioso,  O ser humano,  Deus,  Conclusão Sabemos que nesta aventura, as palavras e ideias, o discurso, o pensamento e a própria intuição são muito redutores, mas a analogia, a vertigem e a atração poderão ajudar-nos a ir um pouco mais além. É essa a minha convicção.   O Ser e os seres A relação entre o Ser e os seres, à luz de uma visão mais filosófica, metafísica, está na base de tudo o que denominamos realidade existente e possível. Os seres, os entes, são modos de ser do Ser Simplesmente. O Ser Simplesmente sustém tudo o que existe ou possa vir a existir. O Ser Simplesmente não é a totalidade de todos os seres (entes) existentes e possíveis. Ao Ser Simplesmente opõe-se o Não-Ser, o Nada. Todos os entes existentes e possíveis promanam do Ser Simplesmente, mas não lhes acrescentam mais ser, mais realidade. Tudo o que existe ou venha a existir é pura dádiva de Amor do Ser Simplesmente. Os seres são luzeiros, caminhos de luz do Ser, para o Ser Simplesmente que os faz vir à presença como modalidades de ser deste imenso e diverso universo em que se cruzam e, de certa forma, se fundem o imensamente grande, o imensamente pequeno, o imensamente consciente e o imensamente misterioso. A Exterioridade Transcendente, Imanente e Criadora, que dá sentido a tudo o que se foi desenvolvendo antes e ao longo destes mais de 4 mil milhões anos e continuará a desenvolver-se até ao fim dos tempos como seu Princípio e Fim, Alfa e Ômega, é a grande questão e o grande tema de reflexão que aqui gostaria de sublinhar. Mas esta Exterioridade Criadora que é ao mesmo tempo Imanência Plena, para os teístas, Deus é o seu nome. A grande maioria dos seres humanos, no seu mais íntimo, são teístas embora o seu Deus tenha sido acolhido e invocado com diferentes designações no decorrer dos tempos. Porquê ter medo deste Deus que, no fundo, é o Ser Simplesmente, Infinito e Eterno, Bom e Clemente donde tudo provém e recebe a sua existência múltipla e diversa como dádiva de amor, que foi e continua a ser procurado, invocado, adorado mesmo quando é temido, afastado, desconhecido ou mesmo negado por muitos? Do Ser Simplesmente não pode proceder o Não-Ser, mas os seres ou entes, os existentes ou modos de ser desde os materiais, às bactérias, às plantas, aos animais, ao homem e outros possíveis seres inteligentes do imenso universo, só podem provir e ser sustentados pelo Ser. Olhar para a realidade existente e possível sob este prisma abre novos caminhos e dá sentido ao nosso questionamento que nos serena e apazigua. Pelo contrário, partir da ideia da evolução das espécies onde tudo foi acontecendo por mero acaso ou por força da seleção natural deixa o caminho aberto à contradição, ao absurdo em relação à existência das mais variadas e diversas modalidades de ser deste imenso universo. Concluir que tudo o que existe não tem sentido, é um absurdo apesar de muitos filósofos e cientistas terem ido por aí. No meu modesto filosofar, tenho pensado muito ao defrontar-me com autores de grande mérito que defenderam ou defendem o evolucionismo como a explicação de tudo e chego sempre à mesmo conclusão: honestamente e pela simples razão de que não faz sentido, por aí não vou porque não há caminho. Acho que é mais autêntico e razoável aceitar os próprios limites e abrir-se ao mistério que se revela em cada realidade existente ou possível de vir a existir e prostrar-se simplesmente de uma forma consciente, livre e responsável em atitude de louvor e adoração. Esta talvez seja a atitude mais sábia para os teólogos, filósofos, e até, para os cientistas, apesar de o seu método ser a dúvida e a procura da evidência. Para os crentes,porém, não se dislumbra outra alternativa. Ao colocar-me nesta atitude de pura nudez diante dessa Exterioridade Exterior, o Ser Simplesmente donde tudo promana como modalidade de ser com o ver e o sentir de uma visão mais poética, metafórica e analógica que permite sair da totalidade de um universo sem janelas e procurar ir ao fundo das coisas existentes e possíveis, em busca do sentido e, porventura, do sentido do próprio existir em que Imanência e a Transcendência, Exterioridade se encontram no Ser Simplesmente, Deus, tudo parece ficar mais claro, simples e autêntico. É através dessa nudez que o ser humano poderá ir mais longe e mais fundo na explicação e compreensão de tudo aquilo que nos rodeia e e questiona. O Homem destes tempos, parece ter medo de aceitar e enfrentar essa realidade que, não obstante, me parece a única saída para aquilo que mais procura: a felicidade e a paz no sentido mais autêntico. Será considerar isto uma pura utopia ou a simples expressão do um orgulho e de uma cobardia disfarçada e pouco assumida livre e conscientemente? Por vezes, os cientistas e os filósofos acham-se mais inteligentes e livres pelo facto de negarem ou desdenharem esta realidade e caem em contradições grosseiras que nem eles próprios assumem de uma forma direta e clara. Recorrem, com frequência, a soluções rebuscadas e inconsistentes que o mero confronto com a realidade deixa a nu por mais sofisticada que seja a roupagem linguística a que recorrem. Na realidade, é tudo muito mais simples ainda que saibamos que não é tematizável e pertença ao não dito do dizer, misterioso: o Ser Simplesmente, o SER. Todos os adjetivos qualitativos, quantitativos e, até, modais sobram. O Ser Simplesmente é o SER. Como referia acima o SER ou o Ser Simplesmente para mim é Deus, porque sou crente. Mas essa crença ou fé em Deus não atrapalha a minha avidez de questionar e conhecer a realidade existente e possível bem como os mais variados contextos em que tudo acontece. Trata-se de uma verdadeira amizade pelo saber que, de certa forma, é comum ao filósofo, ao teólogo e até ao cientista, embora seguindo caminhos de aproximação à realidade distintos. Para os filósofos essa aproximação faz-se através da razão e do coração, porque o coração tem rezões que a razão desconhece, mas reconhece. Em zonas limite ou de margem, de fronteira entre o finito e o infinito, que é o lugar onde o filósofo como amigo da sabedoria se move, os seres e o Ser, julgo que o coração acaba por prevalecer no amor pela sabedoria. A procura, porém, da última explicação das coisas, das pessoas, dos acontecimentos, das ações, das relações, das transformações e seus contextos físicos, astronómicos, químicos, biológicos, psicológicos, socioculturais e éticos é o foco dos seus porquês. Porquês sobre tudo o que existe e venha a existir. Porquês sobre todas as transformações que acontecem e vêm do fundo do tempo. E o que é o tempo e o não tempo? O que é o fundo do tempo e o fim do tempo? Na verdade, a razão do ser humano não tem resposta para nenhuma destas e outras muitas questões similares que levanta. Mas é precisamente essa a razão do filosofar que o coração também desconhece, mas reconhece como resposta da sua própria finitude. O teólogo que, no fundo, procura responder a estas mesmas questões no interior de uma revelação, de uma religião que o religa a uma determinada divindade, faz também apelo à razão, mas iluminada por uma crença, uma fé no mistério insondável e infinito, do Deus que deseja explicar e compreender. O teólogo pretende explicar e compreender Deus, que o institui como teólogo, através do estudo e da investigação das diferentes revelações do Deus em que acredita e se manifesta que constitui o seu objeto de questionamento. Um teólogo budista, é distinto de um teólogo católico, protestante ou islamita. Mas a explicação e a compreensão assentam na razão iluminada pela crença ou pela fé numa divindade que se revela e, nessa medida, se torna, de alguma forma, acessível e presente. O cientista procura explicar tudo apenas à luz da razão que de tudo duvida e procura evidências objetivas que afastem essa mesma dúvida e a subjetividade. Ora a realidade de tudo o que existe e possa vir a existir é tudo menos evidente e, porventura, mais subjetiva. Qualquer direção que tomemos, seja a do imensamente grande, do imensamente pequeno e do imensamente consciente, o que encontramos é o imensamente misterioso que o pensamento não alcança e onde a própria linguagem se transforma em silêncio. Fica apenas a possibilidade da adoração e do culto, dos ritos que o cientista não professa porque não é essa a sua verdade nem a explicação que pretende encontrar e demonstrar. Diante dessas distintas atitudes perante a realidade qual a que se apresenta como mais plausível e responde mais adequadamente às questões que o ser humano coloca sobre tudo o que existe e possa vir a existir neste imenso universo em que tudo se encontra em transformação permanente? Acho que as três atitudes são complementares, mas não nos dão nem podem dar uma resposta satisfatória. Conta-se que Santo Agostinho cogitando sobre estas realidades encontrou, um dia, um menino na praia a fazer uma cova e a tentar com um pequeno balde despejar todo o mar nessa cova. Agostinho interpelando o pequeno perguntou: o que estás a fazer? Ao que o menino respondeu: estou a meter o mar nesta cova. Não vês que isso não é possível! Não é possível? É mais fácil, respondeu o pequeno, meter o mar nesta cova do que o Senhor compreender o mistério que se esconde no fundo de tudo o que existe e possa vir a existir: Deus. Efetivamente esse é a resposta do ser humano a esse grande problema do homem que é também a sua realidade essencial. Quando o cientista, filósofo ou teólogo tentam responder são postos à prova nos seus próprios limites e esbarram diante do mistério insondável que se esconde no fundo de toda a realidade existente e possível. Às vezes, dou comigo a pensar sobre as transformações que ocorrem nos seres do universo, nos planetas, no sol, nas estrelas, nas galáxias, etc. E nas plantas, nas bactérias, nos animais, no homem e noutros possíveis seres inteligentes. Tudo se encontra em transformação, porventura, desde sempre e para sempre. Tudo está sujeito a um equilíbrio e desequilíbrio permanente, uma espécie de homeostasia global. Os planetas, o sol, as estrela, as galáxias ao fim de milhões de anos fundem-se, apagam-se ou “morrem”, mas a sua realidade não desaparece, não cai no nada. Transformam-se, porventura, noutras matérias, noutras energias, noutras modalidades de ser. As coisas inertes, os seres vivos e os seres inteligentes transformam-se também profunda e constantemente ao longo do tempo. “Tudo se transforma, mas nada se perde”. Ou seja, tudo permanece e muda através de outras formas, sob diferentes modalidades de ser, de existir. Diria que nada desaparece da realidade existente e possível nem é possível que assim aconteça. A aniquilação ou a volta ao nada, aos meus olhos, é absurda. Quererá isto dizer que a realidade existente é eterna em relação ao seu termo e em relação ao seu começo? Acho que ninguém sabe, apesar das teorias construídas, como é que isto começou ou se, na verdade, começou. Mas se não começou existe desde sempre? Onde? Em Deus? Como? Então tudo é Deus e Deus é tudo? Se nada existe ou possa vir a existir que não provenha do SER, Deus e se Deus só pode dar o ser e não tirar o ser, a razão humana fica diante de um grande problema para o qual nem o cientista, nem o filósofo nem o teólogo parecem ter uma resposta. Na revelação bíblica e cristã, Jesus Cristo, o Deus Encarnado, a 2ª Pessoa da Trindade que é gerado eternamente pelo Pai, 1ª Pessoa, no Amor Infinito e Eterno entre o Pai e o Filho, o Espírito Santo, a 3ª Pessoa, é apresentado como Alfa e o Ómega, o Princípio e o Fim de tudo o que existe e possa vir a existir neste universo. Será que haverá mais universos com outros seres? Mas mesmo que existissem Jesus Cristo continuaria a ser o Princípio e Fim de tudo. Na realidade, a tentativa de resposta às questões que o ser humano se coloca levam-no sempre a um mesmo ponto: o mistério insondável de Algo, de Alguém que nos ultrapassa infinitamente. Os cientistas tendem a remeter estas questões para há 4 mil milhões de anos. Mas o problema subsiste e se o remetermos para 10, 20 ou 30 mil milhões de anos antes, o questionamento humano manter-se-ia sem resposta ou em que qualquer tipo de resposta se tornaria incompreensível.   O imensamente misterioso O imensamente ou o infinitamente misterioso é algo que se revela e esconde no fundo de tudo o que existe no universo. Toda a interrogação que o homem se coloca e lança sobre qualquer modalidade de ser existente ou possível recebe o eco desse imensamente misterioso que se afunda no imensamente grande, no imensamente pequeno e no imensamente consciente. Não me canso de pensar o universo e tudo que nele existe e possa vir a existir a partir desta tríplice dimensão em que a realidade se entrelaça, evolui, aperfeiçoa e recria dentro das diferentes modalidades de ser e de intenção criadora que lhe estão subjacentes como pura dádiva do Ser Simplesmente, do SER, a que o ser humano, sob diversas invocações e nomes, chamou Deus. Acho que, por este prisma, tudo se abre e apresenta com uma profundidade de sentido que nos questiona, nos atrai, nos obriga a sair da nossa zona de conforto e, ao mesmo tempo, nos enche e nos torna mais humildes, verdadeiros, livres, autênticos. Faz-nos pensar sobre as grandes interrogações que se nos colocam: o que somos? De onde vimos? Para onde vamos? que foram tema de reflexão de teólogos, filósofos, cientistas, literatos e poetas no decorrer dos tempos e nos mais diversos lugares. A resposta encontrada continua por dar ou apenas pode ser dada como: somos modalidades ser, vimos do SER e voltaremos para SER, nossa morada. Do ponto de vista da filosofia, julgo que não há outra resposta séria, descomplexada e sem artificialismos sofísticos e científicos que o organismo com toda a sua complexidade interior e exterior e como dono da mente, do sentimento, da consciência possa dar. Chamaria a esta atitude simplesmente nudez da interação corpo-espírito que nos constitui. Numa determinada fase da minha vida, entre os 23 e os 27 anos, estudei com afinco e interroguei-me demoradamente sobre Deus em áreas da teologia como o Deus Uno e Trino, o Deus Encarnado, o Deus Revelado no Antigo e Novo Testamentos e em outros Livros Sagrados, o Deus Presente na Igreja, nos Sacramentos e nos Ritos de diferentes Igrejas e Religiões. A resposta que me foi chegando acabava por ir dar ao Ser Simplesmente, donde procede tudo o que existe e possa vir a existir que como filósofo não podia compreender nem negar, mas acolher humildemente e que para os teólogos, os exegetas e o homem religioso é o Deus que se foi revelando ao homem das mais diversas formas ao longo dos tempos. Confesso que foi um dos períodos mais ricos da minha vida em que me questionei séria e profundamente e, em certa medida, pus tudo em questão ainda que metodicamente para obter uma resposta. A resposta, porém, que se ofereceu e restou até aos dias de hoje foi de que honestamente na explicação que procurava da realidade não conseguia prescindir nem ser desligado desse Deus Altíssimo e Todo Poderoso, que para mim, é um Deus Bom, Clemente e Cheio de Ternura e Misericórdia, o Ser Simplesmente, o SER donde procedem todos os seres (os entes) existentes e possíveis. Tudo isto é imensamente, infinitamente misterioso e que a razão não compreende, mas reconhece e, lá no fundo, adora sob as mais diversas formas. A História dos Povos e das Religiões é, talvez, a melhor experiência e prova dessa realidade. Este imensamente ou infinitamente misterioso que questiona e desafia permanentemente o ser humano, dá que pensar e não pode ser descartado pura e simplesmente. Está presente em tudo o que existe ou possa vir a existir e, de um modo muito especial, nos humanos que para muitos são apenas o resultado de uma longa evolução que continua. Como referi, não é esse o meu ponto de partida e assumo-o de uma forma clara e sem rodeios, por não ser essa a resposta que me chega do fundo do tempo que conseguimos, de algum modo, perceber e experienciar nos nossos dias. De qualquer modo, também fica mais claro que, para prosseguir neste questionamento, o caminho que se abre é o de interrogar o ser humano que nos habita e que somos. É seguramente esse o luzeiro que mais brilha nessa esteira de luz de todos os existentes e possíveis que nos conduz ao mistério dos mistérios, o Ser Simplesmente, o SER que é também a verdadeira morada do homem.     O ser humano Não irei recorrer a designações bem conhecidas como Dasein, ser em situação, ser aí, même, etc., mas apenas olhar para o ser humano em concreto, o homem em essência, sonho de Alguém em realização, que vem do fundo do tempo e não apenas, como é considerado por muitos, o resultado cimeiro de uma evolução que continuará enquanto as condições de sobrevivência neste planeta o permitirem. Aos meus olhos, embora esta tese possa ser muito discutida e dificilmente acomodável, o ser humano existe e existirá desde sempre e para sempre como um dos grandes sonhos do Ser a realizar-se, no tempo e no além-tempo, como uma modalidade de ser especial entre outras muitas e diversas e, eventualmente, mais perfeitas, existentes ou possíveis. O seu verdadeiro nome é eternidade para a razão humana igualmente misteriosa e insondável. Nada, porém, do que existe ou vier a existir deixará de ser porque provém do Ser e não poderá ser aniquilado, voltar ao não ser. O não ser nunca existiu nem poderá existir porque é simplesmente absurdo. Por isso o mistério do homem, como uma modalidade especial de ser entronca diretamente no mistério do Ser Simplesmente, Deus. Todas as outras modalidades de ser existentes e possíveis parecem convergir, por sua vez, para o ser humano ou outros seres inteligentes superiores como possíveis modalidades de ser que, de certa forma, lhes dão sentido e as reconduzem ao Ser Simplesmente. O sentido de tudo o que existe e possa vir a existir procede do Ser e volta ao Ser, mas sem perder nada da sua dignidade, diversidade e unidade. Não estou a defender teses panteístas em que Deus seria tudo e tudo seria Deus. Deus como o SER sustém tudo no ser, mas não perde nem recebe mais ser das diferentes e diversas modalidades de ser existentes e possíveis que de Ele procedem ou venham a proceder. Tudo isto é misterioso, mas é a partir deste mistério que a inteligência humana não compreende, mas que, em minha modesta opinião, não pode deixar de reconhecer. Não o fazer ou não o aceitar seria cair no absurdo, no sem sentido como aconteceu, com frequência, no decorrer da história das ideias e do pensamento. Ateísmos ou agnosticismos ou outros ismos que não reconhecem ou negam a existência de um Deus, o Ser Simplesmente donde tudo provém e sustêm a sua modalidade de ser, no fundo, não seria consistente nem verdadeiramente humano à luz da razão e muito menos à luz da razão iluminada pela fé ou pela crença numa divindade infinitamente superior. O homem foi visto, por muitos, à luz de uma fé bíblica e teológica, ao longo do tempo, como o “fraco” de um Deus Clemente e Cheio de Amor e de Ternura que lhe deu o Seu Próprio Filho Unigénito gerado eternamente no Amor entre o Pai e o Filho, o Espírito Santo, a Trindade Santíssima. É este ser humano que vem do fundo do tempo e caminha na esperança para o futuro entregue à sua própria liberdade que o pode destruir ou salvar, mas que Deus respeita e ama com um amor especial entre as suas criaturas. Pensar o homem a esta luz, não limita os níveis de inteligência, de razão e consciência da mente humana, antes, pelo contrário, lhe confere toda dignidade e valor que ao longo da história das ideias e do pensamento acabou por vir ao de cima admitidos e aceites por uma grande maioria de insignes pensadores e autores de diferentes quadrantes, ideologias e religiões. É essa, pelo menos a minha convicção. Quando procuramos ir ao fundo das razões das coisas, da vida, dos acontecimentos e das relações e o fazemos com verdadeira honestidade intelectual, é tudo simples e natural, desnudez. É o lugar em que o pensamento ancora, a linguagem se cala e o silêncio se torna mais eloquente e procura ir mais além e mais fundo, é filosofia, amizade de saber, é teologia, revelação. É o lugar onde a razão se abre verdadeiramente e lança nos braços da fé. É analogia, vertigem, atração. Hoje, muitos intelectuais têm medo de experimentar esta vertigem existencial que põe à prova os seus próprios limites e os convida a pensar para além das suas próprias margens. Julgo que isto não é utopia, é realismo, não é apoucamento, é verdade, autenticidade, libertação. Deus Deus, God, Javé, entre outros muitos nomes ou invocações, com que nos deparamos na história da Humanidade desde os tempos mais remotos aos atuais, é incontornável. Uma realidade a que o ser humano não pode nem quer deixar de ter presente, de sobre ela se interrogar ou de simplesmente a louvar e adorar. Porque é que o homem contemporâneo tem tanto medo de enfrentar essa realidade, esse mistério? Vergonha? Arrogância? Obstinação? Estreiteza de espírito? Talvez um pouco de tudo isso. Houve muitas tentativas no decorrer do tempo para provar a existência de Deus. Procurou-se essa prova no Elemento dos Elementos, no Nous, no Espírito (ar), na Água, no Número dos Números, na Ideias das Ideias, na Ideia Suprema de Bem, no Primeiro motor, no Ser Simplesmente, no Ser Perfeito, no Ser Infinito, no Ser Eterno, na História das Religiões, nos Livros Sagrados, etc. Mesmo sem o conseguir provar, o homem não deixou de o acolher, de o adorar e de o temer deixando sinais, ritos bem marcantes dessa ligação, dessa crença em toda a sua já longa caminhada no espaço e no tempo. Hoje, apesar da desvinização militante que por vezes se observa nas sociedades emergentes, Deus continua a ser para o ser humano aquilo que mais procura mesmo silenciando ou negando a sua própria existência refugiando-se em agnosticismos, incredulidades ou ateísmos. Aos meus olhos, nenhuma dessas saídas me parece consistente nem suficiente para satisfazer as aspirações e os anseios da inteligência e do coração do ser humano. Servem apenas de pretexto para disfarçar as suas próprias certezas e uma duvidosa objetividade e segurança. No fundo, o ser humano, como modalidade de ser, não pode desligar-se do Ser donde procede que, no princípio e no fim, é Deus a quem está religado intimamente e na medida de todo o seu ser. É nesta ligação que assenta a sua religiosidade que lhe consubstancial, garante a sua existência e vem do fundo do tempo. Julgo ser precisamente esta a raiz mais funda da religião à luz da filosofia e da ciência da história das religiões. As religiões não são apenas rituais, mas o lugar onde homem se encontra religado profundamente com o Ser, Deus. É nesta perspetiva que a religiosidade que constitui uma das dimensões essenciais do humano assume o seu verdadeiro sentido. Pela revelação bíblica, os teólogos e hermeneutas defendem à luz da razão iluminada pela fé que Deus é Uno e Trino. Que esse Deus enviou ao homem o Seu Próprio Filho, o Deus Encarnado em Jesus de Nazaré, na unidade do Espírito Santo, o Amor em que o Pai gera o seu Filho eternamente e fora anunciado pelos profetas. Estamos em presença do mistério da Trindade de que encontramos também indícios nas filosofias e religiões orientais que desde sempre e por caminhos distintos conduziram o homem a Deus. Dizem-nos ainda, à luz dessa mesma revelação, que esse Deus é infinitamente bom e terno, tardo à ira, paciente e cheio de misericórdia, Pai de todos os homens em Cristo Jesus, Deus e Senhor do Universo, com o Pai e o Espírito de Amor que os une eternamente no Mesmo e Único Deus. A abordagem destas temáticas é extremamente desafiadora e gratificante despertando, ao mesmo tempo, no ser humano um grande bem-estar e serenidade de espírito. Quando, na força da minha juventude, me dediquei com toda a determinação e entusiasmo a estudar o Mistério do Deus Encarnado e da Unidade e Trindade de Deus, lembro que sentia uma grande satisfação e paz de espírito mesmo que as perguntas que colocava e me colocava constantemente desencadeassem novas perguntas a que a resposta tardava em chegar porque a minha compreensão não podia entender o mistério insondável de Deus que desejava conhecer. Mas a abertura do seu questionamento continuou e continua em mim disponível para através dos seus vestígios, dos luzeiros da Sua Presença, todos os modos de ser existentes e possíveis do universo. É por este caminho que esse questionamento terá de continuar a fazer-se não através da violência da representação lógica e linguística, mas através da atração de Alguém cuja vertigem, analogia e atração faz apelo à inteligência e ao coração do ser humano que mesmo sem poder compreender esse mistério insondável o reconhece, o crê, louva e adora. Muitos santos, estudiosos, cientistas, filósofos, poetas, teólogos e exegetas, pelos tempos fora, chegaram a conclusões que os levaram a esta mesma atitude serena, simples e humilde, a única que não fecha, mas abre caminhos de esperança. Talvez seja essa atitude que melhor se adequa às questões sem resposta que permanecem e que o ser humano não pode deixar de continuar a colocar constantemente, pois, constitui o seu elemental, a sua morada no SER, Deus. Parece-me ser também esse o começo da sabedoria a que todo o homem mais ou menos instruído deseja chegar no tempo e no além-tempo que lhe foi dado para sempre pelo Deus Criador e Senhor, Ser Infinito e Eterno, Ser Simplesmente, SER, sem qualquer condição de retorno, pura dádiva. Esta é também a abertura que permite ver a verdadeira dignidade do homem como um dos expoentes mais altos e sublimes da ação criadora de Deus. Chegados a este ponto pergunto-me se é possível dizer muito mais de Deus sem nos repetirmos. Acho que não, mas tentar dizê-lo de diferentes pontos de vista é a possibilidade que tem o ser humano de se aproximar pouco a pouco de Algo, Alguém, cuja presença se afunda no mistério e lhe escapa constantemente.   Conclusão Não faço chamadas a referências bibliográficas porque o conjunto de ideias que aqui deixo fazem parte de um património que é de todos e não pertence a nenhum autor em particular. Trata-se de uma convicção que me acompanha há muito tempo e considero ser a mais justa e verdadeira. Se o leitor quiser outras leituras para concordar ou discordar dos pontos de vista assumidos nestes textos bastará introduzir cada um dos parágrafos num motor de pesquisa e encontrará na net muitas referências sobre o assunto selecionado. Já tenho seguido este procedimento noutros textos e acho que não me faz falta essa necessidade da busca de uma autoridade porque tenho o sentimento que, na grande maioria dos casos, em que os autores recorrem a essa fundamentação, acabam por atribuir ideias e pensamentos a autores, a algo que há muito é património comum da Humanidade. Ser original, desde sempre foi difícil para os humanos e, hoje, ainda é mais, pois, algo que, por vezes, se considera original de um autor, na verdade, já vem de muito antes e já faz parte de um património comum. Encontrar algo verdadeiramente novo e original começa a ser cada vez mais raro. É essa a minha convicção.

sábado, 10 de abril de 2021

Analogia, Vertigem e Atração da Exterioridade

O projeto de livro, Analogia, Vertigem e Atração da Exterioridade, em preparação, procurará ser um grito do filosofar como amizade do saber e do saber fazer: ciência, filosofia, arte, tecnologia. Evitará as barreiras da representação lógico-matemática e silogística e apostará em abordagens mais flexíveis, resilientes que exprimam outras formas de conhecer e experienciar a realidade assentes no diálogo entre a física, a química, a biologia, a psicologia, a sociologia, a história, a cultura em que tudo acontece desde as formas mais simples de sensibilidade, inteligência, emoção e consciência livre, dinâmica e progressiva, a partir de um sonho de amor de Alguém, Exterior, Outro que pôs e põe constantemente tudo que existiu, existe e venha a existir em movimento, ação, em ser nas mais diversas formas ou modalidades. Brevemente darei mais notícias sobre este projeto.

quarta-feira, 24 de março de 2021

A Universidade de Sempre. Marcadores de formação, investigação e intervenção

Marcadores de formação, investigação e intervenção para a Universidade de Sempre será um novo desafio. Como ponto de partida assumirei e acomodarei alguns textos já publicados que fui desenvolvendo individualmente e em equipa bem como outras reflexões sobre o ensino superior com base na minha experiência universitária como docente, investigador e coordenador de investigação, designadamente, nos últimos anos, em estreita ligação com a escola e a sociedade. Não se trata de escrever um livro de memórias, mas sim de continuar a abrir janelas para o futuro sobre a Universidade de Sempre com todo esse material que fui acumulando, repensado e organizado de uma forma mais distanciada e livre de um certo jargão linguístico e cientificamente correto. Sabemos que a ideia de universidade vem do fundo tempo e está intimamente ligada à história da humanidade constituindo um dos principais expoentes de consciencialização, apropriação e desen-volvimento de saberes, de práticas e de tecnologias que foram emergindo pelos tempos fora no decorrer das diversas civilizações e culturas. O ser humano como sujeito inteligente, livre e, porventura, responsável mesmo antes de ser livre, como diria Emanuel levinas (1998), desde cedo começou a procurar conhecer a realidade que o rodeava, a questionar e a questionar-se sobre o seu significado e sentido para melhor a explicar e compreender, utilizar, dominar, transformar e recriar a fim de se conhecer melhor a si próprio na sua relação com os outros e os seus contextos. Sabemos que nos diferentes grupos e comunidades foram surgindo nichos de conhecimento, práticas e experiências mediadoras entre o divino, o deus omnisciente e todo poderoso e o homem como amigo de saber, ávido de conhecer e interrogar tudo o que entra no seu campo de percepção bem como o seu próprio mundo e experiência interior e de todos aqueles que consigo se encontraram e relacionaram pelos tempos fora. As universidades, desde as suas formas mais ancestrais, surgiram como um desses nichos de conhecimento, de formação, de ciência, de saberes aplicados ou de saberes-fazer através dos quais acabaram por impor a sua autoridade e até um certo poder intelectual nas sociedades ao longo do tempo. A atividade de conhecer, aprender e investi-gar, entendida como um verdadeiro poder mágico e demiúrgico (Tavares, 2011) está presente desde o início na ação e comportamento humanos. Foi-se explicitando e consolidando em diferentes civilizações e culturas do passado e abrindo janelas para o futuro. É por aí que a universidade de um amanhã mais ou menos distante deverá ser vista, repensada e reconfigurada. A sua aspiração e limite serão os anseios e os sonhos do ser humano na sua ânsia de conhecer, compreender e expli-car o ser e o acontecer do mundo, da vida e da consciência em toda a sua complexidade e simplicidade. Tudo é complexo, mas a complexidade, no fundo, no princípio e no fim, é simples. Por isso, as transformações e mudanças deverão pensar-se sempre e ter como centro o sujeito humano ávido de conhecer, aprender, investigar, dominar e transformar o mundo e as sociedades na direção da sua otimização e plenitude. A universidade nascente, de Eduba, na Caldeia, anos de 3500 a. C., onde encontramos os primeiros vestígios de uma organização que foi considerada a primeira universidade em que se ensinava escrita cuneiforme e matemática (Noah: 1971; Sjöberg: 1975), à Academia de Platão (388/87, a. C.), Grécia, fundada no bosque de Acádemos, em Atenas, reconhecida como a primeira universidade em que se aprendia filosofia, matemática e ginástica. De Nalanda, Índia (século V da nossa era) que etimologicamente significa “aquele que dá conhecimento” (Hartmut: 2002; https://www.britannica.com/topic/Nalanda) e de Cairuão, Tunísia, 670, primeira universidade árabe (Kerrou: 2009) e de Al-Azhar (Egito), a segunda universidade mais antiga do mundo em sentido moderno, a Bolonha (1088), Itália, a Universidade que viria a ser conhecida como a primeira das universidades da Europa cristã medieval entre as quais se distinguiram também e distinguem as de Oxford (1096), Paris (1170), Modena (1175), Salamanca (1218), Cambridge (1229), Coimbra (1290), Heidelberg (1386), Leuven (1425), Palermo (1498), etc., e às novas universidades dos cinco continentes, é visível um núcleo de conhecimentos e de práticas que traduz a ideia de Universidade que se projeta em modalidades e níveis cada vez mais elevados exigentes e continua nas Universi-dades mais desenvolvidas do presente. A Universidade de Sempre pretende exprimir a ideia de que a instituição universitária foi evoluindo de estruturas e dinâmicas de gestão e organização muito simples para níveis mais complexos e de-senvolvidos, mantendo a missão inicial de formar, investigar e intervir na comunidade, na socieda-de, ainda que de uma forma implícita e rudimentar, que veio a desembocar nas organizações universitárias bem mais complexas, dinâmicas e desenvolvidas que hoje temos na Europa, Ásia, América, África e Oceania. Neste longo percurso da Universidade através dos tempos, implícita ou explicitamente, estão bem presentes um conjunto de ideias e orientações que se vão constelando em torno de um conjunto complexo de variáveis em rede que traduzimos por marcadores e apresenta-remos no primeiro capítulo deste livro. Marcador é um conceito, de certa forma inovador, transposto para um sentido figurado, metafórico, que se inspira na ideia de marcador biológico, somático, bastante utilizado em investigações no campo da biologia, da medicina e, mais especificamente, nas neurociências, designadamente, por António Damásio, em que esse conceito assume um sentido e uma força especial (1994). Neste ensaio, marcador irá exprimir esse conceito que na investigação sobre a universidade do futuro e mais especificamente na investigação dos próximos 20 ou 25 anos se revestirá de primacial importância. Sabemos que a configuração da universidade do passado, do presente e do futuro bem como a dinâmica que lhe está subjacente em toda a sua transformação e mudança dependerá, de acordo com a nossa hipótese de trabalho, de saber qual o peso que virá a ter cada um desses marcadores ou macro-marcadores e da sua interseção na sua organização e gestão financeira, científica pedagógica e de extensão societal num mundo cada vez mais global, problemático e exposto aos mais diversos e letais inimigos, como o COVID-19, em que as nanociências, as nanotecnologia e tecnologias mais avançadas da informação e comunicação terão um impacto cada vez mais relevante e decisivo nesta grande “guerra” que o mundo ao nível global está a travar bem como outras que, se lhe poderão seguir. Esta abordagem, com base nesse conjunto de marcadores em rede e integrados em macro-marcadores, é nova e original não se encontrando explícita em estudos e investigações destinadas a explicar e compeender a universidade do futuro. Mas as ideias ainda que expressas de outra forma, as realidades, os acontecimentos e as relações veiculados estão bem presentes em muitos estudos e pesquisas sobre a universidade de ontem, de hoje e de amanhã, tais como as mentes, os talentos, a inteligência, os conhecimentos, os afetos, as emoções, os sentimentos, a paixão, a liberdade, a responsabilidade, a autonomia, as tecnologias, os equipamentos, os métodos, a interdisciplinaridade, os comportamentos, a organização e gestão em que destacarei a inter e transdiscipli-naridade como dinâmicas mediadoras para uma sã integração, os edifícios, os campi, os contextos sociais, os financiamentos, a empregabilidade, a democraticidade, a internacionalização e a sustentabilidade. A diversidade e importância que lhe venham a ser atribuídas poderão e deverão, no entanto, ser distintas permitindo assim configurar uma visão diferente da universidade do passado, do presente e do futuro. Será sobre esse conjunto de marcadores em rede e macromarcadores que nos concentraremos de modo particular na nossa investigação e reflexão como uma dimensão inovadora da mesma e que serve de suporte a esta reflexão. Assim, no capítulo 1, desenvolveremos a ideia de marcador, os sentidos e as suas mútuas implicações na estrutura e dinâmica da universidade. No capítulo 2, será a vez de nos debruçarmos sobre a universidade de ontem e de hoje à luz do conjunto de marcadores e macro-marcadores já identificado. No capítulo 3, deter-nos-emos sobre a universidade dos próximos 10, 20 ou 25 anos. No capítulo 4, tentaremos vislumbrar o que irá ser a universidade para além dos próximos 25 anos, a universidade de sempre. No capítulo 5, tentaremos prospectivar como serão os processos de avaliação na universidade de futuro e na universidade de sempre. No capítulo 6, daremos especial atenção à inter e transdisciplinaridade na perspectiva de uma verdadeira integração que, aos nossos olhos, configurará a universidade do futuro como marcador essencial e determinante na sua organização e gestão pedagógica, científica e de extensão à comunidade nas sociedades em que está inserida sem esquecer que as pessoas terão uma importância cada vez mais determinante em todas as suas transformações e mudanças. Por último, no capítulo 7, procuraremos alinhar algumas conclusões e recomendações com base no estudo, na investigação e na reflexão decorrente do projeto “marcadores de formação, inovação e pesquisa para a universidade de hoje e do próximo decénio” continu-ado na sua nova versão de “Marcadores de formação, investigação e intervenção para a universida-de dos próximos 25 anos” apresentada a concurso à FCT no âmbito de projetos para todos os domí-nios do conhecimento, enquadrados no Portugal 2020 e de outros estudos entretanto realizados (Tavares et al. 2016; Tavares, 2017; Mealha et al. 2018; Alarcão et al. 2018; Tavares, et. Al. 2018). Neste livro, não será minha intenção repetir e referir o que já foi feito no âmbito de projetos e estudos sobre esta temática mas sim com base em reflexões e conclusões daí decorrentes tentar repensar a Universidade, ir um pouco mais longe e mais fundo e, sobretudo, sublinhar ideias que virão a abrir novas janelas e a determinar o seu futuro que dependerá, cada vez mais, do justo equilíbrio da sua colaboração com as Empresas e o Estado à luz dos novos contextos culturais e societais de uma realidade que irá colocar-se e impor-se inexoravelmente. (Etzkowitz. 2018). O leitor não irá encontrar aqui, porventura, ideias novas mas sim apenas alguns olhares com acentuações e intensidade distintas sobre, sujeitos, objetos e ligações em situações e circunstâncias diferentes. Assim também a Universidade de Sempre será a mesma e diferente da Universidade que vem do fundo do tempo e se projeta num futuro mais próximo ou distante. Despir-se de complexos, fundamentalismos ideológicos e crenças religiosas é a atitude que se impõe e que se procura nesta grande aventura de pensar a Universidade do passado, do presente, do futuro, de sempre. (Iexto disponível completo, 1ª versão: https://www.jpctavares.com).

quinta-feira, 11 de março de 2021

António Damásio e a Exterioridade

Após a leitura dos seus livros anteriores, muitos artigos e palestras que fui lendo e acompanhando com interesse ao longo do tempo, acabo de ler o seu livro mais recente Sentir e Saber. Gosto do novo estilo mais claro e enxuto. Denota um pensamento ainda mais simples e esclarecido sobre temas de grande complexidade e que envolvem um mistério que a ciência, aos meus olhos, não consegue desvendar e acaba por escapar a toda e qualquer representação lógica da imaginação, da mente, da consciência e do próprio sentimento. Damásio procura explicar tudo dentro de uma amplitude de tempo de mais 4 mil milhões de anos, que me parece, mesmo assim, curta e fechada, sem janelas para qualquer tipo de Exterioridade a não ser o mundo exterior dos objetos, das relações e dos acontecimentos que, de certa forma, se opõem, ao mundo interior do organismo e do sistema nervoso central e periférico. Julgo, como já tive oportunidade de notar noutras reflexões, que esse é o seu grande problema ou não problema para ir ao fundo daquilo que pretende explicar e compreender. Acho que, como cientista não coloca a intenção e o sentido do antes e do depois desse imenso período temporal em que procura explicar como foi surgindo o emergir da mente, da consciência e do sentimento a partir da química, dos seres biológicos mais simples, do corpo e interação com o sistema nervoso, do meio interior e exterior, da representação imagética ou mapeamento da mente, da entrada na consciência e do sentir experiencial. Não pretendo diminuir em nada o mérito deste livro que do ponto de vista meramente científico e técnico me parece excelente. Mas discordo do ponto de partida e de chegada: o que aconteceu antes, durante e, de certa forma, o que acontecerá depois desses 4 mil milhões de anos, um tempo quase inimaginável. Sabemos, hoje, que cada vida humana que começa pressupõe uma evolução no tempo e no espaço de mais de 4 mil milhões de anos durante a sua breve existência. Mas fica a pergunta que continua, aos meus olhos, sem resposta da ciência e da própria filosofia: o que aconteceu antes desses 4 mil milhões de anos e o que acontecerá depois? Haverá uma Exterioridade ou Transcendência? Como dar o salto para o lado dessa Exterioridade, porventura, metafórico e misterioso para encontrar, a intenção e o sentido de tudo o que existe e venha a existir nesta aventura da vida, dos organismos, do sistema nervoso, do sentir, da mente, da consciência e do sentimento ao longo de todo esse tempo? Ou será que tudo foi acontecendo, por mero acaso ou por simples leis imanentes aos próprios sistemas físico, químico, biológico, psicológico e sociocultural no decorrer dessa evolução? Julgo que não é possível dar uma resposta sustentável a estas questões sem enfrentar a vertigem, a atração e a nudez de uma Realidade Outra, Exterior, Transcendente. É, pelo menos, essa a minha convicção.