quinta-feira, 11 de março de 2021

António Damásio e a Exterioridade

Após a leitura dos seus livros anteriores, muitos artigos e palestras que fui lendo e acompanhando com interesse ao longo do tempo, acabo de ler o seu livro mais recente Sentir e Saber. Gosto do novo estilo mais claro e enxuto. Denota um pensamento ainda mais simples e esclarecido sobre temas de grande complexidade e que envolvem um mistério que a ciência, aos meus olhos, não consegue desvendar e acaba por escapar a toda e qualquer representação lógica da imaginação, da mente, da consciência e do próprio sentimento. Damásio procura explicar tudo dentro de uma amplitude de tempo de mais 4 mil milhões de anos, que me parece, mesmo assim, curta e fechada, sem janelas para qualquer tipo de Exterioridade a não ser o mundo exterior dos objetos, das relações e dos acontecimentos que, de certa forma, se opõem, ao mundo interior do organismo e do sistema nervoso central e periférico. Julgo, como já tive oportunidade de notar noutras reflexões, que esse é o seu grande problema ou não problema para ir ao fundo daquilo que pretende explicar e compreender. Acho que, como cientista não coloca a intenção e o sentido do antes e do depois desse imenso período temporal em que procura explicar como foi surgindo o emergir da mente, da consciência e do sentimento a partir da química, dos seres biológicos mais simples, do corpo e interação com o sistema nervoso, do meio interior e exterior, da representação imagética ou mapeamento da mente, da entrada na consciência e do sentir experiencial. Não pretendo diminuir em nada o mérito deste livro que do ponto de vista meramente científico e técnico me parece excelente. Mas discordo do ponto de partida e de chegada: o que aconteceu antes, durante e, de certa forma, o que acontecerá depois desses 4 mil milhões de anos, um tempo quase inimaginável. Sabemos, hoje, que cada vida humana que começa pressupõe uma evolução no tempo e no espaço de mais de 4 mil milhões de anos durante a sua breve existência. Mas fica a pergunta que continua, aos meus olhos, sem resposta da ciência e da própria filosofia: o que aconteceu antes desses 4 mil milhões de anos e o que acontecerá depois? Haverá uma Exterioridade ou Transcendência? Como dar o salto para o lado dessa Exterioridade, porventura, metafórico e misterioso para encontrar, a intenção e o sentido de tudo o que existe e venha a existir nesta aventura da vida, dos organismos, do sistema nervoso, do sentir, da mente, da consciência e do sentimento ao longo de todo esse tempo? Ou será que tudo foi acontecendo, por mero acaso ou por simples leis imanentes aos próprios sistemas físico, químico, biológico, psicológico e sociocultural no decorrer dessa evolução? Julgo que não é possível dar uma resposta sustentável a estas questões sem enfrentar a vertigem, a atração e a nudez de uma Realidade Outra, Exterior, Transcendente. É, pelo menos, essa a minha convicção.

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